FONTE:
Jornal GGN - Em crítica direta aos meios de comunicação que se basearam no histórico de indicações do Supremo Tribunal Federal (STF) para concluir que Alexandre de Moraes, apesar de suas relações políticas, seria adequado para ocupar o cargo, o jornalista Felipe Recondo mostra que comparar apenas posições partidárias não basta e não deve ser simplista.
"Quem volta ao passado para justificar o presente geralmente ignora a conjuntura da época ou alguns detalhes que desequilibram as comparações", apontou, em artigo ao JOTA. Segundo ele, o contexto da Operação Lava Jato, com aliados diretos e governistas no quadro de investigados, modifica e altera qualquer tipo de comparação.
Para isso, retoma o histórico da indicação de Paulo Brossard, que também foi escolhido à Suprema Corte quando ocupava o Ministério da Justiça, e também antes filiado a partido político. Entretanto, em contexto completamente distinto.
"Nenhum dos ex-ministros da Justiça que chegaram ao Supremo foi indicado numa conjuntura como esta. Nenhum foi nomeado por um presidente que olha para os lados e vê assessores e aliados políticos ameaçados em processos que tramitam no Supremo. Nenhum foi escolhido por um presidente da República cujo nome era mencionado num grande e já revelado esquema de corrupção", ressaltou o jornalista.
Lembrando, ainda, que "se a conjuntura é tão desfavorável para Moraes, o que se esperava era cautela na relação com os investigados, uma postura que não aprofundasse as discrepâncias. Não é o que acontece", concluiu.
Por Felipe Recondo
DO JOTA
As comparações indevidas entre as duas indicações
A história do Supremo, tão pouco conhecida, foi rapidamente revisitada quando o presidente Michel Temer indicou Alexandre de Moraes para o Supremo Tribunal Federal. Os defensores da candidatura logo lembraram de outros ministros que chegaram ao Supremo depois de servirem ao governo no Ministério da Justiça: Nelson Jobim, Maurício Corrêa, Paulo Brossard e, pelos idos da década de 20, Herculano de Freitas e Heitor de Souza. Mas quem volta ao passado para justificar o presente geralmente ignora a conjuntura da época ou alguns detalhes que desequilibram as comparações.
Primeiro a conjuntura. A escolha de Alexandre de Moraes é um movimento político que precisa ser analisado no contexto geral. Nas últimas semanas:
– um investigado na Lava Jato – Edison Lobão – foi escolhido para comandar a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, onde são sabatinados ministros do Supremo e o procurador-geral da República;
– Moreira Franco, também citado nas delações da Odebrecht, ganhou status de ministro e agora enfrenta uma batalha jurídica para manter o foro especial;
– Eunício Oliveira, outro citado na delação da Odebrecht, foi eleito presidente do Senado;
– Renan Calheiros, alvo de 12 inquéritos na Lava Jato e réu em uma ação penal no STF, deixou a Presidência do Senado e foi escolhido líder do PMDB, uma das legendas mais implicadas na Lava Jato;
Nenhum dos ex-ministros da Justiça que chegaram ao Supremo foi indicado numa conjuntura como esta. Nenhum foi nomeado por um presidente que olha para os lados e vê assessores e aliados políticos ameaçados em processos que tramitam no Supremo. Nenhum foi escolhido por um presidente da República cujo nome era mencionado num grande e já revelado esquema de corrupção.
Ignorando a complexidade e a complicação deste cenário, Alexandre de Moraes segue um caminho nunca antes visto no Supremo. Essa comparação histórica os aliados de Moraes não fazem.. Voltemos, pois, ao passado para comparar as indicações de Moraes e de Paulo Brossard. Ambos foram indicados para o Supremo quando estavam no Ministério da Justiça. Ambos eram filiados a partidos políticos e, logo que indicados, desligaram-se das suas legendas. As semelhanças são essas. Pouco dizem. Mas as diferenças são reveladoras.
Indicado para o STF, Alexandre de Moraes começou a percorrer o Senado para se apresentar aos parlamentares. Um dos primeiros a ser visitado foi Renan Calheiros, cliente fiel do Supremo Tribunal. O mesmo senador que havia chamado Moraes de “chefete de polícia” há menos de seis meses. Na terça-feira (7), Moraes se reuniu secretamente – numa espécie de sabatina informal – com nove senadores na chalana Champagne, atracada próxima à residência do senador Wilder Morais (PP-GO) no Lago Sul, em Brasília. Alguns dos presentes: Benedito de Lira (PP-AL), denunciado na Lava Jato, Ivo Cassol (PP-RO), condenado no STF por fraude em licitações, Sérgio Petecão (PSD-AC) réu no Supremo.
Em meio às conversas formais e informais, Moraes tem usado a estrutura do Ministério da Justiça para defender sua indicação. Sua assessoria enviou a todos os jornalistas um link para a nota divulgada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) em favor da indicação de Moraes. Em seguida, a mensagem: “Vamos divulgar também. Era importante fazermos chegar a todos os Senadores todas as notas das entidades da magistratura, MP e advocacia”.
E, em mensagens privadas a amigos, Moraes busca angariar apoios públicos em favor de seu nome. O movimento que ele pessoalmente organiza pretende rebater as críticas que se multiplicam sobre sua trajetória profissional. Pelo WhatsApp, o ministro da Justiça tem solicitado a aliados e amigos que divulguem notas de apoio.
De volta, pois, ao passado. Em 1989, Brossard foi indicado para o Supremo pelo presidente José Sarney. Seria o primeiro candidato ao STF a ser sabatinado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Antes dele, a CCJ somente votava um parecer pela aprovação ou rejeição do nome. Apesar disso, Brossard não se sujeitou ao beija-mão que se tornou praxe hoje no Senado. Nem participou de sabatina informal e secreta. Pagou por isso, mas foi aprovado com folga.
“Naquela ocasião, não se andava pedindo para ser nomeado. Não havia listas, não havia pedidos, não havia nada. E comigo até houve uma coisa engraçada”, rememorou Brossard em depoimento que consta de sua biografia (Brossard, 80 anos na história política do Brasil). Dos sete votos contrários à indicação, um deles foi do senador baiano Ruy Bacelar. O parlamentar votou contra Brossard porque este não foi lhe pedir voto. “Ele não pediu o voto, sinal de que não precisa do meu voto”, teria dito Bacelar durante a sessão.
Depois de aprovado, Brossard fez então uma visita ao Senado e foi ao gabinete de Bacelar. “Olha, senador, eu venho aqui para lhe prestar uma informação”, iniciou. “Eu queria lhe dizer que o fato de não lhe haver procurador não significa qualquer desapreço ou desconsideração. Acontece que não pedi para ninguém, porque acho não se deve pedir. Isso é coisa que não se pede”, acrescentou.
Depois de empossado, Brossard recebeu do advogado Sobral Pinto uma carta em apoio à sua indicação. Brossard, ao contrário do que acontece hoje, não a encomendou, como o faz Alexandre de Moraes. “Sou dos que pensam que o Supremo Tribunal Federal deve ter, ao lado dos magistrados de carreira e dos advogados militantes, homens que conviveram intimamente com o Poder, para dar ao Supremo, com a sua mentalidade de governantes, a convicção de que ele é um Poder, que tem de atuar como órgão incumbido de julgar soberanamente todos os atos, sem exceção, dos outros dois poderes”, escreveu Sobral Pinto.
“Estou certo de que a sua atuação no Supremo muito contribuirá para que a ordem jurídica nacional alcance a segurança e a plenitude cultural pela qual sempre lutei com ardor, convicção e civismo”, concluiu.
A análise detalhada das duas indicações denota, portanto, que as indicações de Brossard e de Moraes são mais distintas do que assemelhadas. Comportamentos muito diferentes — em conjunturas também muito diversas. O comportamento de Brossard era adequado ao contexto. Por outro lado, se a conjuntura é tão desfavorável para Moraes, o que se esperava era cautela na relação com os investigados, uma postura que não aprofundasse as discrepâncias. Não é o que acontece.
Não são, portanto, indicações comparáveis. Brossard, que morreu em 2015, era de uma época já superada, em que o bordão “cargo de ministro do Supremo não se pleiteia nem se recusa” ainda fazia sentido. Hoje, tudo é diferente. E Alexandre de Moraes age como um candidato típico de seu tempo, sendo avaliado pelo Congresso de seu tempo para um Supremo Tribunal Federal também de outros tempos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário