OLIMPÍADAS
Após contrariar a vontade do técnico da Geração de Prata, filho do meio de Bebeto de Freitas se prepara para disputar Olimpíadas no comando de Ágatha/Bárbara Seixas
A calçada de pedras portuguesas da Nascimento Silva tinha ares de
quadra. As linhas pretas davam o limite, a pilastra do prédio onde
morava em Ipanema e a árvore logo em frente serviam de postes para amarrar a rede.
Com a ajuda do pai, Ricardo organizava o
campeonato disputado por ele e os amiguinhos da rua. Aos 8 anos, não
tinha noção do que Bebeto de Freitas representava para o vôlei mundial.
Só foi tomar consciência quando estava maiorzinho, já na
Itália. O comandante da Geração de Prata nos Jogos de Los Angeles 1984
havia pego um desafio grande, de treinar o multicampeão Maxicono Parma.
Durante esse período, Rico começou a se interessar pelo basquete na
escola. Era fã de NBA, de Charles Barkley e torcia contra Michael Jordan
só porque ele ganhava demais. Foi até convocado para jogar o torneio
regional. Bebeto agradecia. Preferia vê-lo trilhando um caminho
diferente do seu.
Não adiantou elencar as dificuldades que encontraria, as mesmas pelas quais havia passado. Sob a influência do professor de Educação Física, que também era treinador das categorias de base do clube, Rico resolveu se arriscar no vôlei. Achava divertido viajar de ônibus com o time. Para aumentar ainda mais a vontade, convivia diariamente com gente do calibre de Giani, Gardini, Gravina, Renan e Carlão. Guarda até hoje como relíquia as camisas de alguns. Mas o futuro não reservou para ele o papel de jogador. Colocou então na cabeça que seria técnico. Começou como assistente em 2001 na equipe de Sandra Pires/Leila, depois com Virna. Sete anos mais tarde, assumiu o comando de Bárbara Seixas/Vivian. Em 2011, Ágatha se juntou a Bárbara e a parceria deu liga, a ponto de garantirem a vaga nas Olimpíadas do Rio 2016.
+ Influência de Michael Jordan muda o caminho do herdeiro de Joaquim Cruz
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Meu pai não me deu força quando decidi ser técnico, o que é
diferente de não apoiar. Ele sempre quis me mostrar que não era um
paraíso, que havia dificuldade de patrocínios, ainda mais no vôlei de
praia. Já tinha vivido isso no Brasil, mas me aconselhou a sempre seguir
meus instintos. Ele sempre quis que eu conquistasse as coisas
batalhando e eu também queria ser alguma coisa, mas não por ser o filho
do Bebeto. Ele me fez amadurecer muito isso e sou grato. Por
coincidência, meu pai participou dos Jogos como técnico pela primeira
vez com 34 anos (havia disputado a de Montreal 1976 como atleta), assim
como vai acontecer comigo. A mesma idade que vou participar da minha
primeira. Eu
me sinto bastante preparado para esse momento, inconscientemente pelas
experiências que vivo desde criança - disse.
Não
poderia ter tido professor melhor nem mais sério quando o assunto é
trabalho. Se quisesse ser jogador, teria que se dedicar mais à
preparação física. Não adiantava ser somente habilidoso. Mas a preguiça
dominava Rico nesse quesito e as broncas se repetiam. Eram maiores
quando Bebeto acumulava os cargos de presidente do Botafogo e de
responsável pelo treinamento de Tande/Benjamin. O herdeiro resolveu
voltar a ser atleta e também passou a ser comandado por ele. O então
levantador de 1,85m brinca que
desistiu a tempo. Formariam uma dupla, agora vestindo calças compridas,
no Halkbank Ankara, da Turquia. Virou auxiliar de Bebeto e disse ter
aprendido muito antes de tomar a condição de protagonista.
Na nova fase as dificuldades previstas pelo pai se apresentaram. Todas. E não foram capazes de tirar o seu norte. Arrancaram sim, dinheiro de seu bolso durante quatro anos. Um montante que não sabe precisar, que prefere encarar como investimento.
- Desde 2008 a gente faz coisas por nossa conta. Até 2012, pagava passagem e hotel para não deixar as meninas irem sozinhas para as competições. Eu não podia esperar sentado em casa que patrocínio chegasse. Tinha que investir. Neste mesmo ano, já com Ágatha, fomos ter o primeiro patrocinador.
De lá
para cá, ainda investi algo no valor de dois carros em viagens, na
contratação de empresa para fazer projeto incentivado. Meu pai sempre
tentou me mostrar que o esporte que se vê na TV é o resultado final, um
filme produzido no qual há um investimento antes de você ir ao cinema
assistir. A diferença é que no cinema se começa a produzir com
investimento e no vôlei de praia não. Na cultura do esporte brasileiro é
exigido primeiro o resultado.
Mas
a teimosia estava nos genes. Reconhecida com uma gargalhada pelo pai.
Sem a qual, Bebeto não acredita ser possível chegar tão longe. Graças a
ela, implantou uma filosofia inovadora; mudou a forma de se jogar vôlei e
o futuro da modalidade no país; ganhou uma medalha olímpica; colecionou
conquistas com o Maxicono; foi convidado para comandar a Itália,
levando a Azurra ao alto do pódio da Liga Mundial de 1997 e do Mundial
de 1998. Aos 66 anos, integrante da turma de 2015 do Hall da Fama de
Holyoke, o ex-técnico enumera com orgulho os feitos do seu filho do meio
(campeão do mundo e do Circuito Mundial na temporada passada, tri
brasileiro).
- Sempre disse que o técnico tem que seguir a sua cabeça. Se não tiver o seu voleibol dentro da cabeça, não vai a lugar nenhum. Não existe copiar do outro porque ser for igual não vale nada. E Rico encontrou o dele. Tirou água de pedra. Ajuda do pai não teve. Não queria vê-lo no meio de problemas que vivi a vida inteira. Tenho muita tristeza, coração marcado por isso e não queria que ele passasse por situações assim. Sou um cara marcado por isso porque vivi a vida inteira lutando contra muquiranas que ainda estão aí. O que sei é que eu não seria capaz de fazer o que ele conseguiu, foi uma trajetória bem complicada. A história deles é diferente, foi um trabalho que não terminou e realmente para quem o vivenciou é motivo de estupefação. Falando de técnico para técnico, tenho admiração. Às vezes, as coisas feias se tornam as mais bonitas e vamos torcer para que isso aconteça - afirmou.
Bebeto quer assistir a tudo de arquibancada. Considera maravilhosa a experiência de poder ver em vida um de seus herdeiros disputar as Olimpíadas. Lamenta que o projeto tenha a Barra como o coração dos Jogos. Preferia que mais áreas da cidade tivessem sido recuperadas e que o critério de classificação adotado pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB) seguisse o padrão do COI, que usa em conta o número de ouros e não o de total de
medalhas. Diz que se afastou do vôlei nacional por não ver grandes mudanças. Crítico com boas argumentações, gostaria que no país houvesse mais ações diante dos escândalos esportivos recentes, como tem visto acontecer lá fora (cita os casos da Fifa e do doping na Rússia). Gostaria também que os recursos fossem utilizados de forma mais consciente e que o esporte fosse utilizado no desenvolvimento social. Há pouco tempo, voltou dos EUA e ficou encantado com o trabalho que os americanos estão fazendo nas escolas para melhorar a qualidade e quantidade de jogadores de vôlei.
- Sou um cara chato porque minha formação, nos anos 70, foi no esporte profissional dos Estados Unidos. Aqui as coisas param no meio do caminho. O esporte no Brasil é muito difícil. Falta recurso, mas se derruba velódromo e se pensa em derrubar piscina. Acho que essas coisas todas fazem com que as pessoas se afastem... O que Rico, as meninas e a equipe fizeram é um case de esporte brasileiro. No início do ano passado ninguém diria que a dupla estaria classificada para os Jogos. E olha que ainda perderam um ano de competições internacionais porque a CBV fez a seleção permanente. O voleibol é uma doença e Rico é um doente (risos). É um cara que lutou para ter tudo o que tem hoje. Ele e a equipe dele. Ninguém cresce sozinho. Ele teve o mérito de juntar uma equipe correta e competente, onde todos trabalham e correm atrás, apesar das dificuldades do esporte no país. Quantos não desistiram pelo caminho?
A equipe de trabalho tem ares de família. Rico é marido de Bárbara Seixas, que é irmã de Ricardo, o estatístico. Ágatha é casada com Renan Rippel, preparador físico da dupla. O time ainda conta com dois assistentes técnicos (Guilherme Braga e André Perlingeiro), dois fisioterapeutas (Rafael Bordallo e Diego Erves), nutricionista (Rodrigo Vilhena), fisiologista (Alex Evangelista), psicóloga (Maíra Ruas) e montador (Jailson).
-
Não existe Rico técnico responsável pela dupla. É Rico e sua equipe
técnica responsável pelos resultados. Só assim, com equipes
interdisciplinares que o esporte cresce. Ninguém ganha nada sozinho. O
prêmio que ganhamos da Federação Internacional no fim de 2015 diz tudo:
foi a melhor equipe do ano. É esse é o retrato que quero. Nós não
pulamos degrau nenhum, tudo aconteceu no tempo certo. Com minhas loucura
perfeccionista, queria ter ganho mais coisas antes e elas também,
porque não entram para perder. Acho que o título mundial nos surpreendeu
no tempo certo. Vamos ter o friozinho na barriga nos primeiros pontos
do torneio olímpico, mas depois passa. Todos respondem bem à pressão.
A única da qual Rico não teve como fugir foi com relação a escolha do time de futebol. A linhagem botafoguense conta com o pai, primo de Heleno de Freitas e sobrinho do jornalista e ex-técnico João Saldanha. Passou a vestir a camisa alvinegra e a frequentar os estádios desde a infância. E é de lá que guarda uma das lembranças mais fortes de Bebeto.
-
Não teve jeito, não tive escolha (risos). Em 1989 o Botafogo não era
campeão há 21 anos. Meu pai me levou a todos os jogos. Fui a Mesquita,
Volta Redonda, todos os estádios que você possa imaginar. E na final do
Carioca, quando ganhou o título, ele ficou em êxtase. O grito de campeão
foi com a força de quem não soltava um há muito tempo. Lembro que na
volta para casa meu pai parou o carro dentro do Túnel Rebouças para
comemorar com os outros torcedores. Foi um momento muito especial.
Filho orgulhoso, Rico de Freitas espera poder ouvir um novo grito de alegria. Desta vez em agosto, na arena de Copacabana
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/olimpiadas/noticia/2016/02/rico-de-freitas-segue-passos-do-pai-e-busca-2-medalha-da-familia-em-jogos.html
Bebeto e Rico (de costas) durante um
dos torneios na rua de Ipanema
(Foto: Arquivo pessoal)
Não adiantou elencar as dificuldades que encontraria, as mesmas pelas quais havia passado. Sob a influência do professor de Educação Física, que também era treinador das categorias de base do clube, Rico resolveu se arriscar no vôlei. Achava divertido viajar de ônibus com o time. Para aumentar ainda mais a vontade, convivia diariamente com gente do calibre de Giani, Gardini, Gravina, Renan e Carlão. Guarda até hoje como relíquia as camisas de alguns. Mas o futuro não reservou para ele o papel de jogador. Colocou então na cabeça que seria técnico. Começou como assistente em 2001 na equipe de Sandra Pires/Leila, depois com Virna. Sete anos mais tarde, assumiu o comando de Bárbara Seixas/Vivian. Em 2011, Ágatha se juntou a Bárbara e a parceria deu liga, a ponto de garantirem a vaga nas Olimpíadas do Rio 2016.
+ Influência de Michael Jordan muda o caminho do herdeiro de Joaquim Cruz
Rico de Freitas busca mais uma medalha
olímpica para a família (Foto: Andre Durão)
Rico guarda o livro do Maxicono (Foto: Reprodução / Instagram)
Na nova fase as dificuldades previstas pelo pai se apresentaram. Todas. E não foram capazes de tirar o seu norte. Arrancaram sim, dinheiro de seu bolso durante quatro anos. Um montante que não sabe precisar, que prefere encarar como investimento.
- Desde 2008 a gente faz coisas por nossa conta. Até 2012, pagava passagem e hotel para não deixar as meninas irem sozinhas para as competições. Eu não podia esperar sentado em casa que patrocínio chegasse. Tinha que investir. Neste mesmo ano, já com Ágatha, fomos ter o primeiro patrocinador.
Bebeto de Freitas nos tempos de técnico da seleção brasileira (Foto: Divulgação / Hall of Fame)
- Sempre disse que o técnico tem que seguir a sua cabeça. Se não tiver o seu voleibol dentro da cabeça, não vai a lugar nenhum. Não existe copiar do outro porque ser for igual não vale nada. E Rico encontrou o dele. Tirou água de pedra. Ajuda do pai não teve. Não queria vê-lo no meio de problemas que vivi a vida inteira. Tenho muita tristeza, coração marcado por isso e não queria que ele passasse por situações assim. Sou um cara marcado por isso porque vivi a vida inteira lutando contra muquiranas que ainda estão aí. O que sei é que eu não seria capaz de fazer o que ele conseguiu, foi uma trajetória bem complicada. A história deles é diferente, foi um trabalho que não terminou e realmente para quem o vivenciou é motivo de estupefação. Falando de técnico para técnico, tenho admiração. Às vezes, as coisas feias se tornam as mais bonitas e vamos torcer para que isso aconteça - afirmou.
Bebeto quer assistir a tudo de arquibancada. Considera maravilhosa a experiência de poder ver em vida um de seus herdeiros disputar as Olimpíadas. Lamenta que o projeto tenha a Barra como o coração dos Jogos. Preferia que mais áreas da cidade tivessem sido recuperadas e que o critério de classificação adotado pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB) seguisse o padrão do COI, que usa em conta o número de ouros e não o de total de
medalhas. Diz que se afastou do vôlei nacional por não ver grandes mudanças. Crítico com boas argumentações, gostaria que no país houvesse mais ações diante dos escândalos esportivos recentes, como tem visto acontecer lá fora (cita os casos da Fifa e do doping na Rússia). Gostaria também que os recursos fossem utilizados de forma mais consciente e que o esporte fosse utilizado no desenvolvimento social. Há pouco tempo, voltou dos EUA e ficou encantado com o trabalho que os americanos estão fazendo nas escolas para melhorar a qualidade e quantidade de jogadores de vôlei.
Rico orienta Ágatha e Bárbara durante
treino (Foto: Andre Durão)
- Sou um cara chato porque minha formação, nos anos 70, foi no esporte profissional dos Estados Unidos. Aqui as coisas param no meio do caminho. O esporte no Brasil é muito difícil. Falta recurso, mas se derruba velódromo e se pensa em derrubar piscina. Acho que essas coisas todas fazem com que as pessoas se afastem... O que Rico, as meninas e a equipe fizeram é um case de esporte brasileiro. No início do ano passado ninguém diria que a dupla estaria classificada para os Jogos. E olha que ainda perderam um ano de competições internacionais porque a CBV fez a seleção permanente. O voleibol é uma doença e Rico é um doente (risos). É um cara que lutou para ter tudo o que tem hoje. Ele e a equipe dele. Ninguém cresce sozinho. Ele teve o mérito de juntar uma equipe correta e competente, onde todos trabalham e correm atrás, apesar das dificuldades do esporte no país. Quantos não desistiram pelo caminho?
A equipe de trabalho tem ares de família. Rico é marido de Bárbara Seixas, que é irmã de Ricardo, o estatístico. Ágatha é casada com Renan Rippel, preparador físico da dupla. O time ainda conta com dois assistentes técnicos (Guilherme Braga e André Perlingeiro), dois fisioterapeutas (Rafael Bordallo e Diego Erves), nutricionista (Rodrigo Vilhena), fisiologista (Alex Evangelista), psicóloga (Maíra Ruas) e montador (Jailson).
Ágatha, Rico, Bárbara e parte da equipe em
mais um dia de treino no Leblon
(Foto: Andre Durão)
A única da qual Rico não teve como fugir foi com relação a escolha do time de futebol. A linhagem botafoguense conta com o pai, primo de Heleno de Freitas e sobrinho do jornalista e ex-técnico João Saldanha. Passou a vestir a camisa alvinegra e a frequentar os estádios desde a infância. E é de lá que guarda uma das lembranças mais fortes de Bebeto.
Rico diz que é perfeccionista e sério como
o pai (Foto: Andre Durão)
Filho orgulhoso, Rico de Freitas espera poder ouvir um novo grito de alegria. Desta vez em agosto, na arena de Copacabana
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/olimpiadas/noticia/2016/02/rico-de-freitas-segue-passos-do-pai-e-busca-2-medalha-da-familia-em-jogos.html
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