sábado, 8 de novembro de 2014

Jade celebra sua rápida recuperação e aposta em nova geração feminina

Após ficar fora do segundo Mundial seguido, ginasta trabalha sem pressa e vê Diego Hypolito como exemplo: "Passou por momentos difíceis e mostrou o quanto é capaz"


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Rio de Janeiro


Com os olhos vidrados na televisão, Jade Barbosa acompanhou atentamente cada movimento de suas adversárias no Mundial de Nanning. Viu a pequenina americana Simone Biles se agigantar. Viu Diego Hypolito fazer o mesmo depois de um período turbulento e só conseguia pensar: "Eu tinha chance de estar num degrau do pódio". Respirou fundo, se arrumou para mais um dia de fisioterapia e repetiu a frase que virou um mantra nos últimos meses: "Calma, Jade, não pense que perdeu tudo". Em agosto, durante a disputa do Campeonato Brasileiro, um estalo no joelho esquerdo colocou uma ruga de preocupação na testa da ginasta. Sabia que algo tinha acontecido, embora não sentisse dores fortes ou notasse comprometimento nos movimentos. Não queria nem pensar na possibilidade de ter de se afastar por conta de uma lesão. Não de novo. Mas o que ela acreditava poder resolver com aplicações de gelo só poderia ser solucionado com uma cirurgia. A primeira da carreira. O ligamento cruzado anterior tinha rompido, e o segundo Mundial consecutivo estava perdido.

jade Ginastica Flamengo (Foto: Danielle Rocha)
Jade Barbosa no ginásio do Flamengo, durante 
entrevista (Foto: Danielle Rocha)


No ano passado, o problema foi no pé direito. A opção acabou sendo pelo tratamento conservador. Para surpresa da equipe médica, a recuperação foi mais rápida do que o previsto. Jade voltou com apetite dobrado, ganhando medalhas e certa de que faria um bom papel na China. Diante do novo baque, diz só ter se preocupado em saber se o joelho voltaria a ser como antes. Diante do sim, mergulhou no tratamento só pensando em começar 2015 dentro do ginásio, vestindo novamente seu velho e bom collant.

- Fico impressionada como me recupero rápido. Normalmente, em casos como este são necessários de seis a oito meses para poder estar liberada para fazer toda a ginástica. Acho que em dezembro já vai dar para fazer paralela. Mas não tenho pressa. Não quero mais uma lesão (sorri) nem que vire nada crônico. Fiquei mais chateada desta vez porque estava num nível tão bom, como há muito tempo não estive. Queria ter ajudado as meninas novas no Mundial. Acho que, se tinha um ano para acontecer algo assim, era mesmo este. Em 2015 não daria tempo, tem Jogos Pan-Americanos e Mundial. Sou católica e acredito que, se você trabalha e faz coisas boas, boas coisas virão. Acho que o aconteceu tinha que acontecer para me proteger de algo. Eu já estava com um fratura por estresse na costela antes de lesionar o joelho. Então, acho que aconteceu para eu descansar, para ficar mais com a família - disse.


jade Ginastica Flamengo (Foto: Danielle Rocha)Jade tem feito trabalho intensivo de fisioterapia na Gávea (Foto: Danielle Rocha)


Dia desses, já sem precisar das muletas, foi dar apoio a Pedro, o irmão caçula, numa competição. A boa mobilidade surpreendeu o russo Alexander Alexandrov, técnico da seleção brasileira que, ao vê-la, disse: "Você está ótima para treinar", arrancando-lhe um sorriso. Naquela ocasião, Jade deixou a arquibancada com o coração apertado ao ver suas companheiras em ação. Sentiu saudade dos treinos, mas aprendeu que paciência também é remédio.

- Fiquei triste, mas a gente não é de ferro. Nunca desanimei a ponto de pensar em desistir. Acho que nessas horas a gente dá valor ao talento que tem, a tudo o que tem. Nem sei como rompi o ligamento. Senti um estalo quando fiz a prova de salto e depois, na chegada da paralela, falei para o Ricardo (Pereira, técnico do Flamengo): "Me tira daqui porque acho que saiu do lugar". Chorei porque sabia que tinha acontecido algo. E na semana seguinte ia ser disputado o Pan. O joelho não estava inchado. Fui fazer um exame, e o médico falou que tinha algo no ligamento cruzado, que não dava para ver direito porque estava borrado e que achava melhor eu não viajar, para poder fazer nova ressonância. Aí me chamaram no COB, e eu tive a certeza de que havia algo errado. Eles me disseram que o processo era cirúrgico, que ia ser colocado um parafuso que seria absorvido pelo corpo. Fiquei branca de susto.

Mas passou. Jade tem respondido bem ao tratamento, apoiado pelo Comitê Olímpico Brasileiro. Para não perder ritmo de atleta, tem procurado manter os horários para não sentir quando for liberada para treinar. O trabalho com a fisiologista e com o fisioterapeuta é feito duas vezes por dia, incluindo os sábados. A partir de agora, iniciará o processo de "ficar novamente no peso de ginasta", já que os exercícios de musculação, na bicicleta ergométrica e na piscina estão autorizados.


jade Ginastica Flamengo (Foto: Danielle Rocha)Ginasta se inspira no exemplo de superação
de Diego Hypolito (Foto: Danielle Rocha)


Durante o processo de recuperação, a história de superação de Diego Hypolito deu sua parcela de contribuição. Por conta de uma depressão, o ginasta chegou a ficar internado por duas semanas. Venceu a batalha, fez as mudanças de que precisava e seguiu em frente. Embarcou para o Mundial da China como reserva e duas horas antes do início da competição ganhou o lugar de titular na equipe após a confirmação da lesão de Caio Souza. Além de ajudar o time a garantir o inédito sexto lugar, assegurou o bronze no solo.

- Atleta nunca pensa que algo vai dar errado. Diego passou por momentos difíceis e mostrou o quanto é capaz. Ele funciona bem em momentos de pressão. Para ele, deve ter sido difícil porque as pessoas não sabiam de tudo o que tinha passado. Talvez aquele bronze tenha sido a medalha mais gratificante da vida dele. Ver amigos conseguindo se superar é claro que é algo que me inspira.


 Senti um estalo quando fiz a prova de salto e depois, na chegada da paralela, falei para o Ricardo (Pereira, técnico do Flamengo): "Me tira daqui porque acho que saiu do lugar". Chorei porque sabia que tinha acontecido algo"
Jade Barbosa

Jade admite não ver a hora de estar novamente saltando. Na volta, além de um joelho zerado, encontrará também dois ginásios tinindo de novos. A previsão de conclusão das obras do CT da seleção brasileira, na área de aquecimento da Arena da Barra, é para o fim deste mês. No mesmo período, o do Flamengo deverá receber os aparelhos cedidos pelo COB.

- Uma nova geração vai crescer com mais estrutura, vai ter tudo. Um dia, conversando com a Dani (Daniele Hypolito), ela lembrava que a gente não tinha nem uniforme uma época. A gente fica muito feliz de ter ajudado a proporcionar isso para outras gerações. Nós temos atletas muito boas e acho que podemos ter medalha feminina nos Jogos de 2016, sim.


Jade Barbosa (Foto: Reprodução / Instagram)Jade Barbosa simula movimento de ginástica com as muletas (Foto: Reprodução / Instagram)


Antes de pensar nas Olimpíadas no quintal de casa, a ginasta de 23 anos acredita que o Mundial de Glasgow, na Escócia - onde as primeiras vagas olímpicas estarão em disputa - será fundamental não apenas para classificar a equipe, mas para preparar as jovens companheiras de seleção para o que encontrarão daqui a pouco menos de dois anos. A expectativa da Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) é que a equipe fique entre as seis primeiras. 

- O feminino vem com outra cara. Eu vou chegar bem no Mundial, vamos ter a Rebeca Andrade, a Flavia Saraiva e outras meninas. E elas não vão chegar cruas. A Flavinha foi às Olimpíadas da Juventude, disse que sentiu nervoso, mas já viu como é competir num evento grande. A Rebeca ainda não tem a noção, mas vai ganhar experiência. Sabemos que aqui, nos Jogos, a pressão vai ser pior. No Pan do Rio, em 2007, foi assim. Depois dali, cheguei no meu primeiro Mundial tranquila (conquistou o bronze no individual geral em Stuttgart). No Brasil, o público é caloroso e acha que gritar na ginástica, durante a prova, ajuda. Eu tinha acabado de fazer 16 anos. Olhava para aquela arena lotada e me perguntava: "O que que é isso?" Estava no corredor, quase não indo, e a Daiane me perguntou: "Está tudo bem, Jade?". Ela percebeu e me empurrou para que eu entrasse - diverte-se.

Jade ginástica artística (Foto: Reprodução / Instagram)Jade faz fisioterapia na piscina doFlamengo (Foto: Reprodução / Instagram)


Mais madura, Jade já lida bem com cobranças dentro e fora do ginásio. Em 2013, o comportamento, a determinação e a qualidade nos treinos mereceram elogios de Georgette Vidor, coordenadora da seleção. Diante do exigente Alexandrov, a ginasta cumpria o que era pedido sem reclamar. Mesmo que tivesse que fazer três sessões de treinos se preciso fosse. Trocou todas as séries nos aparelhos e pretende aumentar o grau de dificuldade delas na próxima temporada. Enquanto está fora de combate, ela tem evitado dar ouvidos a quem a vê longe de seu local de treinamento.

-  Eu filtro muito as coisas, porque senão você fica maluca com o que lê algumas vezes. Quando um atleta se machuca, é a única hora que ele tem de fazer coisas de uma pessoa normal. Se você vai à praia, as pessoas criticam. E falam sem saber como é a sua rotina de trabalho. Uma vez, fui à festa de um amigo, e tinha um menino incomodando minha amiga Gabi. Falei com ele, e me respondeu: "Ah, você é aquela que tem investimento do governo e que faz cagada". Eu respondi que eu também pagava imposto. E aquela era uma época em que eu estava sem receber nada, pagando do meu bolso para treinar. Todo atleta acaba sofrendo com isso, não só eu. Algumas pessoas são cruéis. Mas a gente segue trabalhando para chegar 100% nas competições mais importantes - sorriu.



FONTE
http://glo.bo/1AEqFqW

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