Luiz Carlos Gonçalves, o Cabelada, relata histórias do futebol e lembra o pedido do dirigente antes de uma partida. Teve também confusão e briga em jogos do Flamengo
Ex-árbitro gosta de chope e conta histórias do tempo em que apitava (Foto: Reprodução/Facebook)
A fala
mansa não chega a remeter
ao lado mais extrovertido. Um longo bate-papo, porém, mostra que Luiz
Carlos Gonçalves, o Cabelada, tem muita história para contar. O
ex-árbitro de futebol, hoje com 66 anos, ainda guarda gás para levar a
vida repleta de brincadeiras. Há 14 anos morando em Búzios, no Rio de
Janeiro, costuma percorrer cerca de 170 quilômetros para escapar para
Vila Isabel quando dá. Lá, encontra amigos, frequenta botequins e
não dispensa a cerveja bem gelada. É assim, e tem sido desde a época em
que ainda
apitava jogos. Passados 20 anos da aposentadoria, ele recorda histórias
que ficaram guardadas na memória no período em que chegou a participar
de mais
de 400 partidas, a maioria no Campeonato Carioca. Como bom boêmio,
também mostra sua maneira de conduzir
situações no mundo do futebol antes mesmo de a bola rolar.
Foi o caso de um Vasco x Cruzeiro em 1994 (relembre no vídeo acima). Em 22 de maio, a partida terminou empatada por 0 a 0, e a história é no mínimo inusitada.
-
Fui apitar o jogo, entrega das faixas, e cruzei com o
Eurico (Miranda, ex-presidente do Vasco). Era um jogo de festa. Ele
falou:
“Vai marcar um pênalti?” Eu respondi: “Fica tranquilo.”
Começou a partida, e logo marquei pênalti. Derrubaram o William. O Yan
bateu para um lado, e o goleiro (Dida) caiu e defendeu. O Eurico estava
no banco de reservas, fui lá e falei
assim: “Meu diretor, não lhe devo mais nada.” Finalizei, e o jogo acabou
0 a 0.
Temos um relacionamento muito bom - disse o ex-árbitro.
Com a mesma convicção com que bate no peito para dizer que é vascaíno, Cabelada garante que houve o pênalti de fato no lance. A versão do “Jornal do Brasil” sobre o amistoso foi um pouco diferente. Na matéria do dia 23 de maio de 1994, o texto diz: “O juiz Luiz Carlos Gonçalves, o barrigudo Cabelada, fez questão de marcar uma falta inexistente de Zelão em William, logo aos 2 minutos”.
Com a mesma convicção com que bate no peito para dizer que é vascaíno, Cabelada garante que houve o pênalti de fato no lance. A versão do “Jornal do Brasil” sobre o amistoso foi um pouco diferente. Na matéria do dia 23 de maio de 1994, o texto diz: “O juiz Luiz Carlos Gonçalves, o barrigudo Cabelada, fez questão de marcar uma falta inexistente de Zelão em William, logo aos 2 minutos”.
Cabelada nos tempos de árbitro: estilo boêmio, polêmicas
em campo e histórias para contar (Foto: Arquivo Pessoal)
Eurico paga a conta
Trecho do Jornal do Brasil que fala sobre o pênalti marcado no amistoso de 1994 (Foto: Reprodução)
Em alguns papéis amarelados e desgastados com o tempo, Cabelada guarda a anotação
dos jogos que apitou. Vai lendo cada linha e lembra das mais variadas
histórias. Não acha o registro desta partida em que o resultado de 0 a 0 não
valeu ponto para nenhuma competição: era o amistoso da entrega das faixas após
o título do Campeonato Carioca de 1994 conquistado pelo seu time de coração. Mas
a relação com o Vasco e com o ex-presidente do clube nem sempre foi tão
amistosa.
- Teve um Vasco x Olaria numa quarta-feira à noite. Tinha show do Roberto Carlos no Canecão. Falei para a minha esposa que ia para o jogo e, quando voltasse, ia parar para tomar um chope e depois ligaria para ela. O jogo foi 1 a 1. O Vasco perdeu muito gol, com o Mauricinho e o próprio Roberto Dinamite. Ele (Eurico Miranda) correu para o vestiário, invadiu e falou: “Você não apita mais jogo do Vasco. Que vascaíno é você que só f... a gente, só prejudica a gente?” Aí acabou o jogo, acabou o show, e falei com a minha mulher: “Vamos jantar”. Eu ia no Leblon, no Plataforma, mas disse: “Não vamos, que ali é reduto do Vasco. Quando o time joga, a diretoria vai lá jantar”.
- Teve um Vasco x Olaria numa quarta-feira à noite. Tinha show do Roberto Carlos no Canecão. Falei para a minha esposa que ia para o jogo e, quando voltasse, ia parar para tomar um chope e depois ligaria para ela. O jogo foi 1 a 1. O Vasco perdeu muito gol, com o Mauricinho e o próprio Roberto Dinamite. Ele (Eurico Miranda) correu para o vestiário, invadiu e falou: “Você não apita mais jogo do Vasco. Que vascaíno é você que só f... a gente, só prejudica a gente?” Aí acabou o jogo, acabou o show, e falei com a minha mulher: “Vamos jantar”. Eu ia no Leblon, no Plataforma, mas disse: “Não vamos, que ali é reduto do Vasco. Quando o time joga, a diretoria vai lá jantar”.
Aí tinha
inaugurado um restaurante novo, e eu fui. Quando entrei, na primeira mesa estava o
Eurico e todo mundo do Vasco. Entrei e cumprimentei. Ele me olhou com aquela
cara, aí fui sentar. Fiquei lá com meu chope, e, quando fui pagar a conta, ele já
tinha pago. Ele era estourado, mas uma pessoa boa - defende.
confusão e briga
Por
incrível que pareça, Cabelada - apelido que ganhou na infância pelos
longos cabelos - já chegou até a ser chamado de flamenguista. Ele
defende-se dizendo que jamais beneficiou o Rubro-Negro, mas algumas
marcações foram questionadas. É o caso de uma em agosto de 1982, durante
o Estadual daquele ano. O árbitro deu
acréscimo, e a partida entre Flamengo e Bonsucesso, que se encaminhava
para o
empate por 2 a 2, teve um lance polêmico que acabou mudando o rumo do
resultado para 3 a 2 a favor do Fla (recorde no vídeo acima).
O ex-árbitro diz que a bola entrou, apesar de ela ter terminado fora do gol. Na época, não foi o que considerou o representante do Bonsucesso Nilton Bitar. O dirigente chegou a pedir a anulação do jogo no Tribunal de Justiça Desportiva (TJD-RJ) por erro de direito, sem que o árbitro tivesse registrado na súmula algum erro. Cabelada, assim como fez na época, nega qualquer equívoco.
O ex-árbitro diz que a bola entrou, apesar de ela ter terminado fora do gol. Na época, não foi o que considerou o representante do Bonsucesso Nilton Bitar. O dirigente chegou a pedir a anulação do jogo no Tribunal de Justiça Desportiva (TJD-RJ) por erro de direito, sem que o árbitro tivesse registrado na súmula algum erro. Cabelada, assim como fez na época, nega qualquer equívoco.
Sou um cervejeiro conhecido internacionalmente
Luiz Carlos Gonçalves
Não foi só essa vez que ele foi cercado em campo. E de novo por um lance em uma partida com o Flamengo. Aconteceu na vitória rubro-negra por 1 a 0 sobre o Volta Redonda, gol de Bebeto, em 1985, no Raulino de Oliveira. Por não ter marcado um pênalti para os donos da casa, o que o “Jornal do Brasil” da época tratou como “escandaloso”, um funcionário da Siderúrgica o agrediu na saída do campo. Em defesa, houve revide, e eles pararam na delegacia. Na saída do posto policial, escoltado, viu a violência seguir. Uma pedra foi arremessada e quase atingiu o auxiliar Édson Costa (relembre a confusão no vídeo abaixo).
Hoje em dia, volta a se defender ao dizer que a infração não aconteceu.
- Um jogador botou na frente e caiu. Eu mandei seguir, e o clima ficou tenso. Aí entrou um torcedor (Maurício Diogo, do Volta Redonda) que eu conhecia e me agrediu. Eu revidei, e fomos para a delegacia. Mas depois disso ficou tudo bem, sentamos juntos e tomamos uma cerveja.
Jornal do Brasil relata confusão envolvendo Cabelada
após jogo do Flamengo (Foto: Reprodução)
cerveja e carne de sol
É
quase impossível não pronunciar o nome do ex-árbitro sem falar ao mesmo
tempo a palavra cerveja ao contar suas histórias. Até quando o Central,
de Pernambuco, conquistou uma importante vitória no torneio equivalente
à Série B de 1986 ao vencer o Catuense por 1 a 0, em Caruaru, ele tirou
uma casquinha. Deu até
conselhos.
- Naquele jogo, aos 43 minutos (do segundo tempo), marquei um pênalti contra o Central. Um jogador veio falar comigo e disse que eu era maluco, que se ele marcasse o gol não iriam conseguir sair do estádio. Eu respondi: “Está com medo? Bate para fora.” Ele bateu bem, para marcar, mas a bola foi para fora. E eu fiquei na cidade até o fim de semana, estava aquele clima de festa, carne de sol, cerveja...
- Naquele jogo, aos 43 minutos (do segundo tempo), marquei um pênalti contra o Central. Um jogador veio falar comigo e disse que eu era maluco, que se ele marcasse o gol não iriam conseguir sair do estádio. Eu respondi: “Está com medo? Bate para fora.” Ele bateu bem, para marcar, mas a bola foi para fora. E eu fiquei na cidade até o fim de semana, estava aquele clima de festa, carne de sol, cerveja...
A conversa com os atletas era normal. Gaba-se de ter feito muitas amizades, ser
procurado pelos jogadores em campo para marcar um chope. E tinha até “bronca”.
- Eu brincava com os jogadores: “Vê lá, hein! Faltam dez minutos e eu quero ir
tomar meu chope, vamos jogar bola.” Aí acabava o jogo, e vinha todo mundo
me cumprimentar. Tinham algumas reclamações, mas acabava tudo em festa.
Árbitro chegou a ser suspenso por conta do lado boêmio, diz o próprio (Foto: Reprodução/Facebook)
Mas a sua maneira de agir acabou em suspensão certa vez.
- Esse lado de boêmio, de
samba, botequim, me prejudicou com alguns diretores. O Coronel Áulio Nazareno
(ex-presidente da extinta Comissão Brasileira de Arbitragem - Cobraf), quando
foi diretor de arbitragem, me suspendeu uma vez. Foi porque um amigo dele, sem
maldade, comentou que eu dançava, tomava chope. Aí ele me afastou e disse que
minha vida fora do campo não condizia (com a carreira de um árbitro). Eu também
disse umas verdades para ele, bati a porta e saí.
Mas ele gosta mesmo é do bom convívio. Tem trânsito livre na Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (Ferj). Assim que pisa lá, lembra que há mais de 30 anos frequenta o local. Atualmente, além de apitar jogos amadores em campos society, representa dois clubes: o Serra Macaense, da Segunda Divisão do Carioca, e o Sociedade Esportiva de Búzios, da Terceira Divisão. É cumprimentado por todos na federação, pede um tempo para falar com todos e "fazer o oba-oba" rápido.
E, em meio aos compromissos, já com a entrevista perto do fim, toca o telefone de Cabelada. Ele convida a pessoa do outro lado da linha para um encontro. No dia 9 de dezembro, comemorará seu aniversário no Renascença. É uma segunda-feira, dia do Samba do Trabalhador, uma das mais importantes rodas de samba do Rio de Janeiro. Faz o convite com a premissa de “tomar uma”. Frequenta sambas. Diz ser muito bem relacionado. Explica com calma que, apesar da fama, nunca bebeu antes de entrar para apitar um jogo. E quando é divulgada em uma rede social uma foto sua com o copa de água, precisa ouvir brincadeiras.
- Eu sou um cervejeiro conhecido internacionalmente. Assim que postaram a minha foto bebendo água, um amigo comentou: “Cabelada bebendo água...” Criei um estilo de ser lembrado e comentado.
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/bau-do-esporte/noticia/2013/12/apitei-arbitro-conta-que-atendeu-eurico-deu-penalti-e-pagou-divida.html
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