Três décadas após morte de Garrincha, distrito de Magé perpetua a paixão pelo ponta direita, e descaso de autoridades com sua memória é evidente
Túmulo de Garrincha tem frase ilustrativa: 'Aqui descansa em paz aquele que foi a alegria do povo'
(Foto: Vicente Seda / GLOBOESPORTE.COM)
(Foto: Vicente Seda / GLOBOESPORTE.COM)
Manezinho, companheiro de pelada e de bar (Foto: Vicente Seda / GLOBOESPORTE.COM)
- O Pelé perto do Garrincha era uma m...! Messi? O time de Pau Grande era melhor que o Barcelona (risos). Ninguém marcava o Garrincha. Ele passava por qualquer um. Era uma festa toda vez que vinha aqui - conta.
A mais brilhante estrela solitária alvinegra foi enterrada "com todo respeito e carinho" pelo coveiro rubro-negro José Carlos Nascimento Lopes, de 49 anos. Em 20 de janeiro de 1983, tinha 19, mas a lembrança persiste.
- Aqui não teve quase ninguém do futebol. Não veio nenhum colega dele. Mas tinha bastante gente da cidade, isso (o cemitério) estava lotado. Teve gente que chegou a subir nos túmulos. Deu um trabalho danado. A cidade ficou marcada. Passou a vir muita gente para cá porque o Garrincha nasceu em Pau Grande. No domingo farão uma homenagem aqui no cemitério.
O coveiro que enterrou Garrincha há 30 anos (Foto: Vicente Seda / GLOBOESPORTE.COM)
- O túmulo não é dele, é emprestado, quem paga a manutenção é outra pessoa.
Quase tudo o que resta de homenagens ao campeão mundial de 1958 e 62 é contaminado pela política, como o busto exibido em frente à fábrica têxtil onde trabalhou - hoje uma indústria de refrigerantes - ou o monumento construído no cemitério. Como acontecia em vida pela ingenuidade e desapego do Mané, ainda há quem queira pegar uma carona em sua genialidade com os pés. Mas falta quem o faça de forma a colocar Pau Grande à altura do número de visitantes que recebe por conta de seu legado.
Os moradores relatam que forasteiros, especialmente estrangeiros fascinados pelo futebol brasileiro, são vistos com certa frequência por lá, mas há pouco para apreciar. Um pequeno memorial no Esporte Clube Pau Grande, onde jogou, seu túmulo, os campos onde brincava com a bola e a memória de quem vive na localidade. Fora isso, uma escola municipal e uma choperia carregam sua alcunha. A casa onde Garrincha nasceu tem acesso proibido. O sisudo sobrinho chamado pelos locais de Neném Baleia reclama de nunca ter recebido ajuda para reformar o local e, assim, explica o motivo de proibir até imagens do portão que levaria à infância do Mané. Mora com dois outros sobrinhos do craque.
O campo de peladas onde Garrincha brincava com a bola (Foto: Vicente Seda / GLOBOESPORTE.COM)
- Convivi muito pouco com o meu avô, eu era nova quando ele morreu e ele tinha passado a viver em outros lugares. Quando vinha, ficava ali na varanda com os amigos - disse Alexsandra, apontando para o quintal da casa de esquina que Garrincha recebeu da fábrica onde trabalhou, após o Mundial de 58.
Casa que Garrincha ganhou após Copa de 58 Foto: Vicente Seda / GLOBOESPORTE.COM)
- Essa casa foi doada pela fábrica, mas nunca teve documentos. Na época que a fábrica fechou, quiseram vender a casa, e meu pai teve de comprar. Não tenho nada do meu avô. A minha mãe tinha dois pares de chuteira, sei que uma delas foi roubada. Levaram para tirar foto, ou algo assim, e não devolveram. Estamos perto da Copa do Mundo no Brasil e não tem nada aqui em Pau Grande. Acho que o governo deveria se envergonhar disso. Algumas pessoas falam mal do Pelé porque acham que ele não deu atenção, não procurou ajudar o meu avô - disse Alexsandra, que quer montar uma pequena lanchonete temática no quintal traseiro da casa.
Alexsandra, neta de Garrincha, e seus filhos (Foto: Vicente Seda / GLOBOESPORTE.COM)
- O Mané era Flamengo, mas foi recusado lá, porque achavam que era um aleijadinho, e ficou p... Aí, antes de jogo com o Flamengo, dizia: 'Vou arrebentar com eles". Ele gostava mesmo é de caçar passarinho com a atiradeira, só passarinho vagabundo. O Pelé perto dele é uma m..., é pinto, é mesmo. O Garrincha chegava aqui com material de treino na mão já querendo tomar uma, com dinheiro vivo, de bicho (prêmio por vitórias no futebol). Mandava eu ir buscar a cachaça. Aprendi a beber com ele. Tomava traçado, que é conhaque com canhaça. Pegava a mulher que queria, eu peguei muita por causa dele - bradava o senhor, com um sorriso no rosto.
Memorial
de Garrincha no Esporte Clube Pau Grande no qual fotos antigas do
ex-jogador dividem espaço com os troféus da equipe local (Foto: Vicente
Seda / GLOBOESPORTE.COM)
- As balizas eram um pouco maiores e de madeira. Isso aqui ficava tudo lotado. Parecia estádio.
Camisa antiga do Botafogo que teria sido dada por Garrincha a um morador de Pau Grande
(Foto: Vicente Seda / GLOBOESPORTE.COM)
(Foto: Vicente Seda / GLOBOESPORTE.COM)
Manuel Francisco dos Santos, o Mané Garrincha, iniciou a trajetória de 52 vitórias, sete empates e uma derrota pela seleção brasileira em 1955 contra o Chile, no Maracanã. É sempre lembrado ao lado de Nilton Santos e outros craques defendendo o Botafogo, mas no final de sua carreira atuou por outros clubes. Garrincha morreu de cirrose hepática no dia 20 de janeiro de 1983. Trinta anos não foram suficientes para apagar a saudade dos tempos em que um par de pernas tortas transformou um pequeno distrito em capital do futebol - e o Brasil em melhor do mundo.
Foto do Esporte Clube Pau Grande com Garrincha agachado (Foto: Vicente Seda / GLOBOESPORTE.COM)
O banco de reservas que Garrincha nunca esquentou na pelada (Foto: Vicente Seda / GLOBOESPORTE.COM)
Visão geral do cemitério de Raiz da Serra (Foto: Vicente Seda / GLOBOESPORTE.COM)
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