segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Arena do Grêmio, a origem: quando a nova casa coube numa mochila


A 2 meses da inauguração do estádio, GLOBOESPORTE.COM inicia série semanal. Primeiro, traz a semente do projeto, os entraves e a realização

Por Hector Werlang e Lucas Rizzatti Porto Alegre


Miniheader Arena na Regressiva (Foto: Editoria de Arte / Globoesporte.com)
Parece impossível, mas a Arena do Grêmio, um gigante de 56 metros em franca construção, já coube numa mochila. Ou ao menos o sonho de erguê-la. Foi assim, acreditado por poucos e sob olhares desconfiados de muitos, numa jornada despretensiosa e ao mesmo tempo cheia de perícia, que o futuro estádio do clube gaúcho começou a tomar forma. A exatos dois meses de sua inauguração, o GLOBOESPORTE.COM reconta os detalhes do plano seminal que hoje é puro concreto e expectativa no bairro Humaitá, na zona norte de Porto Alegre.

arena do grêmio (Foto: Lucas Uebel/Grêmio FBPA)Arena está cada vez mais com cara de estádio (Foto: Lucas Uebel/Grêmio FBPA)

A mochila de Eduardo Antonini levava para a Alemanha, naquele junho de 2006, outro plano, na verdade. O jovem dirigente sequer tinha dois anos de Conselho Deliberativo permanente e já havia sido encarregado de espinhosa missão: elaborar um plano diretor para o Estádio Olímpico, então com quase 52 anos de vida.

Tudo começou com o retorno do Grêmio à Série A, após a irrepetível Batalha dos Aflitos. Junto com a autoestima novamente elevada, estava a vontade de muitas empresas de investir no lar tricolor - instalação de lojas e afins. Antonini foi além da fria calculadora e de planilhas herméticas armadas via computador. Queria aproveitar a Copa do Mundo em solo alemão para estudar os estádios recém-erguidos.

De cara, se sentiu em casa. Ao pisar na estação de metrô do Muro de Berlim, em meio a um formigueiro de gente, avistou camisas azuis e amarelas. Era uma trupe de gremistas que cruzou o Atlântico para empurrar o Brasil ao hexa. O título não veio, mas o encontro improvável de tricolores seria um bom sinal para o futuro do Grêmio.

A ida à Alemanha não teve o planejamento tão espartano que a Arena iria merecer na sequência. Antonini pagou do bolso,


 foi por conta própria. Dormiu em albergues. Foram "20 e poucos dias", como o próprio define, de muita observação. Assistiu a nove partidas, conheceu muitos templos do futebol tilintando de novos. O frescor da modernidade acendeu uma ideia na cabeça de engenheiro do dirigente, que hoje, aos 42 anos, sustenta o título de presidente da Grêmio Empreendimentos, empresa criada para gerenciar as obras.

De volta a Porto Alegre após a Copa, compartilhou o seu plano com o presidente Paulo Odone. A recepção foi com reservas, recheada de dúvidas. O resumo da proposta foi o seguinte:

- Presidente, não dá para reformar. Precisamos construir um novo estádio.
  os primeiros passos da Arena
2006 Grêmio traça plano diretor para revitalização do Olímpico
2006 Antonini vai à Copa da Alemanha e volta com a ideia de construir um novo estádio
2006 Em novembro, Grêmio contrata a Amsterdam Arena para estudo de viabilidade
2007 Clube oficializa uma carta-convite para empresas interessadas em investir. Três propostas começam a ser analisadas pelo Conselho Deliberativo
2008 Em março, o Conselho elege a oferta dos portugueses da TBZ e o Humaitá como local do estádio 
2008 Em agosto, a empresa TBZ sai do consórcio
2008 Em 19 de dezembro, OAS e Grêmio oficializam parceria para a construção do estádio
2008 O projeto foi aprovado em 29 de dezembro na Câmara de Vereadores de Porto Alegre
2009 Em outubro, a área foi demarcada
2010 Em 20 de setembro, após liberação da prefeitura, um grande evento marca o início das obras da Arena no bairro
Humatiá
De sua sala no Olímpico, Odone meneou a cabeça e deu a chance de que Antonini precisava. Não era bem um "sim", mas estava longe de ser um "não". Surgia a primeira brecha de um clube historicamente voltado ao conservadorismo. O presidente aceitou a contratação da empresa holandesa Amsterdam Arena para a criação de um estudo de viabilidade. Antonini a conheceu em sua passagem pela Alemanha. Seus executivos mal sabiam dizer "oi" em português. As conversas com o Grêmio lhes abriram as portas do Brasil.  

Os holandeses poderiam até sofrer para falar a língua nativa, mas chegaram rapidamente a mesma conclusão de Antonini. Tempo de vida, alto custo de manutenção, localização em região estrangulada, disparidades com o padrão Fifa... o Olímpico chegara ao seu limite. Precisava emergir um palco mulituso. 

- É importante sublinhar o caráter pioneiro do projeto. Em tempos de Copa do Mundo, todos falam em arenas. Em 2006, no entanto, ninguém pensava em se desfazer de seus estádios - ressalva Antonini, lembrando que, depois, em 2011, a OAS conseguiria um financiamento junto ao BNDES, o primeiro para estádios antes da Copa, além de a Arena azul ser a única privada do país ao lado do novo estádio do Palmeiras.

A busca pelo novo, hoje tão exaltada, no entanto, teve seus obstáculos nos idos de 2007 e 2008. Esbarrou um pouco no próprio Conselho Deliberativo, com seus mais de 300 gremistas, muitos testemunhas do crescimento do Olímpico. Como fazer passar uma ideia que tinha como um dos pilares se desfazer do atual estádio? O Salão Nobre do Conselho Deliberativo foi palco de quatro reuniões de aprovação dos projetos, além de mais 50 encontros para discutir outros pontos do mesmo tema. 


- No início, poucos acreditavam - confirma Antonini.
Mas os holandeses colocaram fé. Tinham como respaldo o exemplo do estádio do Ajax, rival de lembranças ruins do Grêmio, pela final do Mundial de 1995. Construído um ano depois, o Amsterdam Arena impulsionou a região ao seu redor. Mesmo objetivo que hoje o clube gaúcho mira ao fincar pé no ainda periférico bairro do Humaitá. O escritório de arquitetura Plarq, de Coimbra, projetaria o futuro estádio. 

Arena do grêmio reunião amsterdam arena (Foto: Arquivo Pessoal)Primeira reunião com a Amsterdam Arena em 2006no Olímpico (Foto: Arquivo Pessoal)

Elaborado o plano pelos consultores, era a vez de lançar no mercado a carta-convite, antes, claro, devidamente aprovada pelo criterioso Conselho. Dez grupos surgiram com interesse - três propostas efetivas. Vingou a oferta do grupo português TBZ. Além da desconfiança de boa parte dos gremistas, Antonini elenca a posterior desistência da TBZ como um dos momentos de maior tensão na concepção do novo estádio.

No entanto, a construtora baiana OAS, que já estava no negócio com os portugueses, "abraçou" a causa e resolveu tocar a obra com os seus próprios braços, numa parceria de 20 anos. O contrato foi firmado em dezembro de 2008, em circunstância singular que novamente alarmou o clube: como erguer um estádio do zero em meio a uma das maiores crises da construção civil nos Estados Unidos, que, feito praga, se alastrou pelo mundo?
Mas o Grêmio encarou o Tio Sam. E aí vai um salto: para o dia 20 de setembro de 2010. Data alusiva à comemoração da Revolução Farroupilha, mas que também sinalizava o começo de uma nova batalha, a da construção efetiva da Arena. Tijolo por tijolo.

Passa longe do exagero dizer que cada azulejo tem a mão de Eduardo Antonini. A Arena passou a não caber mais em sua mochila. Ganhou vida própria e passou, por que não, a dominar um de seus criadores. Desde janeiro de 2011 como presidente da Grêmio Empreendimentos (em 2010, foi Secretário Extraordinário da Copa do Mundo no RS), trabalha "full time" na construção do novo lar tricolor. Houve dias em que saíra de madrugada das obras. Também realizou mais de 50 visitas técnicas aos mais variados estádios do mundo para trazer o que havia de mais atual.

Perfeccionista com o "projeto de sua vida", Antonini não sossegou, por exemplo, até os italianos responsáveis pela fabricação das cadeiras encontrarem o tom certo do "azul do Grêmio"

- Eu escolhi a cadeira, a drenagem, a cobertura... Por mais que a construtora entenda de obras, é importante a filosofia do Grêmio estar presente em todo o processo - detalha. - A palavra final é sempre minha.
arena do grêmio eduardo antonini (Foto: Lucas Uebel/Grêmio FBPA)Antonini na Arena: rotina diária (Foto: Lucas Uebel/Grêmio FBPA)

É claro que tanta sofreguidão ao trabalho espalha efeitos em casa. Desde que mergulhou nessa empreitada, só conseguiu tirar dez dias de férias com a esposa Ana e os filhos Giovana, 10 anos, e Felipe, 5. Residente no bairro Três Figueiras, atravessa a cidade todo o dia. Feriados. Sábado. Domingo. As obras nunca saem de seu horizonte.

Os filhos não reclamam. São gremistas e pacientes. Mesmo novos, têm ideia da grandeza da obra. Os amigos de Antonini, também. É quase impossível passar incólume numa conversa informal. Cedo ou tarde, o assunto Arena surge na pauta. Antonini deixa de lado a dureza de engenheiro e dribla com habilidade perguntas típicas como: "Quem vai tocar no show de inauguração?". 

arena do grêmio antonini alemanha 2006 (Foto: Arquivo Pessoal)Antonini encontrou grupo de gremistas logo na
chegada a Berlim, em 2006 (Foto: Arquivo Pessoal)

Quando o assunto é o torcedor, no entanto, o dirigente afirma ser meticuloso. Garante que, há cinco anos, lê todos os e-mails que chegam à ouvidoria do clube. Nem sempre consegue responder, lamenta, mas sempre capta a mensagem. E vê esse bom relacionamento com a torcida como um dos trunfos para fazer a Arena do jeito que o fã deseja.

- Além da ouvidoria, recebo muita sugestão por Twitter e Facebook. Eu leio tudo. Daí, por exemplo, saíram os ajustes da questão da migração de sócios e o modelo inédito de cadeiras mistas (livres e numeradas) - exemplifica. 

Apesar do fanatismo por futebol, Antonini diz que não permite o "chute" na sua profissão. É imperativo ser preciso e detalhista. Agora, entra em campo o engenheiro para despejar a seguinte promessa:

- Não sou de chutar. Digo, com tranquilidade, que não haverá três estádios melhores que a Arena. No mundo. 

A conferir, em exatos dois meses. Da mochila de Antonini à imensidão de concreto, a Arena do Grêmio entra em sua contagem regressiva.

FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/times/gremio/noticia/2012/10/arena-do-gremio-origem-quando-nova-casa-coube-numa-mochila.html

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