domingo, 18 de março de 2012

Guga conta como público o ajudou a vencer e sonha ver a filha tenista

Ex-número 1 fala sobre amistoso com Federer, comenta Bellucci, avalia trabalho com juvenis e narra como flamenguista o incentivou a ganhar jogos

Por Alexandre Cossenza Rio de Janeiro
 
Quando teve seu nome oficializado no Hall da Fama Internacional do tênis, Gustavo Kuerten usou a cerimônia para fazer homenagens e agradecimentos. Citou seus pais, o técnico Larri Passos, os ídolos Maria Esther Bueno e Thomaz Koch e até craques estrangeiros como Andre Agassi. Uma semana depois, o ex-número 1 do mundo, enfim, deixou a modéstia um pouco de lado. Lembrou-se de conquistas, enumerou as qualidades que o levaram tão longe no tênis e disse que um de seus maiores méritos foi não precisar mudar sua personalidade, não se distanciar das pessoas dentro de quadra. Guga contou até como um fã flamenguista o ajudou a vencer partidas importantes.

Gustavo Kuerten Guga entrevista especial (Foto: Anderson Rodrigues / Globoesporte.com)Guga entrará para o Hall da Fama no dia 14 de julho, nos EUA (Foto: Anderson Rodrigues)
 
Aos 35 anos, o tricampeão de Roland Garros sempre diz que "parou, mas não parou". Envolvido com seu projeto social, o Instituto Guga Kuerten (IGK), e ajudando a Confederação Brasileira de Tênis (CBT), o catarinense falou também sobre sua agenda cheia. Mencionou a expectativa de fazer um amistoso com Roger Federer no fim do ano e disse que vai tentar trazer o ATP Finals para o Brasil. Sobre o tênis nacional, ressaltou a ajuda de Thomaz Bellucci para manter o esporte em evidência e comemorou o investimento nos atletas juvenis, mas não deixou passar:  "Não existe formação de jogador com regalia."
No fim da conversa, Guga ainda abriu o coração e falou um pouco sobre seus primeiros dias como pai - sua filha, Maria Augusta, nasceu no dia 10 de fevereiro. Prometeu não ser um pai intrometido, mas admitiu que gostaria de ver a filha com uma raquete nas mãos. Confira abaixo o bate-papo com o futuro integrante do Hall da Fama.

GLOBOESPORTE.COM: Vamos começar falando um pouco sobre Hall da Fama? De tudo que você fez em quadra, o que você acha que vai ficar mais marcado para as pessoas? Não vale dizer o conjunto da obra!
Gustavo Kuerten: Como ato específico, para escolher um, é dureza! O coração, para ir bem ao detalhe. Aquele coração de Roland Garros (Guga desenhou um coração na quadra depois de salvar match point e derrotar o americano Michael Russell, em 2001), a primeira conquista, ainda com a roupa amarela, em 1997, e a vitória de Lisboa (Masters Cup de 2001) foram as três marcas registradas minhas, que as pessoas lembram incessantemente. Como fonte de inspiração, acho que a minha grande contribuição foi trazer o tênis para essa esfera popular. Os tenistas eram quase intocáveis. E, junto com isso, a minha felicidade. No grau de competição que tem o tênis, naquele ritmo de um querendo atropelar o outro todos os dias, conseguir manter a felicidade dentro da quadra, a descontração, esse meu sorriso, acho que até hoje é do que as pessoas sentem falta.
É como um amigo meu diz. Sou cagão mesmo. As coisas acontecem para mim, parece que eu nasci virado para a lua."
Gustavo Kuerten
 
Mudando o ponto de vista, o que gostaria que ficasse mais marcado?
Essa síntese de ter uma identidade própria no tênis. A brasilidade, o meu jeito emocional dentro da quadra, a alegria, criando um elo com o tênis. Consegui trazer um Guga pessoa, a minha forma de viver, para o personagem da quadra, o competidor. Não precisava me transformar para entrar em quadra. Eu vivia muito o que eu era e competia próximo da minha essência. Isso foi o mais brilhante que eu pude saborear.
Tanto na cerimônia do Hall da Fama quanto agora você enfatizou essa questão de trazer o público para perto do ídolo. Isso foi algo que percebeu durante a carreira?
Foi uma consequência natural. A maioria das coisas na minha carreira foi resultado da minha adaptação, mas eu não tive que mudar drasticamente. Eu consegui entender e diagnosticar o circuito no fim de 1997, começo de 1998. Eu tirei as medidas do circuito para ver como eu me encaixaria ali dentro, e não ter que mudar alguma coisa para ir de encontro àquele turbilhão.
E como foi esse processo?
Eu fui aprendendo a lidar com a situação de ídolo, a me relacionar com as pessoas, a curtir e saborear isso. Existe um peso no tênis que é quase imensurável. Os maiores tenistas são quase endeusados. Hoje eu consigo enxergar mais isso, né? Na época, tudo foi acontecendo de forma natural. Nem por isso a gente precisa se distanciar. Até mesmo na atualidade, Nadal, Federer e Djoko são muito mais próximos do que eram Lendl, Becker, McEnroe... Pode ser até uma causa natural dos novos tempos. As informações estão mais à tona. Até então, Sampras, Agassi, Courier, McEnroe... pareciam super-heróis de quadrinhos.
O Thomaz (Bellucci) ajuda nesse processo de trazer público para o tênis?
Eu acho que ele está ajudando bastante o tênis brasileiro. Há uns três, quatro anos, ele é 80% das nossas chamadas, do que acontece no tênis. Está carregando essa bandeira. O perfil dele não é igual ao meu. É um cara mais introvertido, mais fechado dentro da quadra. Dentro dessa característica específica, ele não traz o público muito para próximo. Ele fica mais isolado ali, mas é esse ponto que é a fase de detalhamento que está vivendo. De que forma vai atuar melhor? Não é nem indicado para um tenista entrar em quadra e pensar "preciso ser mais legalzinho ali para a torcida me achar bacana". Cada um tem uma forma de lidar com isso. Mas eu vejo que nesses três últimos anos ele vem carregando essa bandeira do tênis de uma forma importante e contribuindo para que a bola continue girando.
Gustavo Kuerten Guga entrevista especial (Foto: Anderson Rodrigues / Globoesporte.com)Guga espera fazer uma exibição com Roger
Federer em dezembro (Foto: Anderson Rodrigues)
 
Como vê a cobrança em cima dele?
Eu acho que é natural. É uma relação do espectador para o jogador. Cada um tem suas expectativas. É natural a gente ter um grande ídolo, um cara que foi número 1, com quem as pessoas têm uma relação e até uma saudade. Essa comparação vai ser onipresente. As análises são normais para cada nível que o jogador vai adquirindo. Tem uma hora que a gente chega a número 1 e continua tendo uma certa expectativa. Eu vejo que ele encara numa boa. Está num processo normal de amadurecimento. O que vai se definir é quando vai estar pronto para enfrentar esse novo estágio. De qualquer forma, é um cara que já tem sua carreira consolidada no tênis, vai ficar aí por mais cinco, dez anos, talvez já se aproximando dos cinco melhores brasileiros da história. Essas cobranças todas têm que ser um universo à parte. O dia a dia dele é trabalhar, evoluir nesses quesitos que ainda precisa amadurecer. Ele tem a virtude de crescer contra jogadores bons, o que é legal porque nesses torneios grandes ele pode vir a surpreender de uma hora para outra. O Thomaz hoje tem que buscar mais regularidade. E se acontecer a virada, o clique para começar a vencer esses jogos de última escala, é top 10.
Como é ser classificado como humanitário pelo presidente do Hall da Fama?
Vai ao encontro do que a gente está conversando aqui. Quando eu estava jogando a final de Roland Garros, eu podia estar pensando exclusivamente no meu momento, mas eu precisava também de apoio em pessoas, principalmente para encontrar essa minha forma. Foi essa maneira de levar mais gente comigo para a quadra. Quando eu estava jogando, parecia que estávamos eu, Larri, minha família, as pessoas ao redor torcendo, o Brasil todo em volta. E sempre de uma forma positiva. Nunca se tornou algo "eu estou jogando para eles", mas nos meus melhores momentos era muito perceptível que quando eu estava atuando eu estava compartilhando aquelas sensações com todos. Eu conseguia apartar essa obrigação de ídolo, de carregar fardo. Para mim, era um incentivo, um apoio.
Consegue lembrar de casos específicos?
Tinha um cidadão de Miami, um flamenguista, que sempre aparecia nos campeonatos. No ano que eu fui para a final com o Sampras, teve uns dois jogos no caminho que ele fez eu virar. Em Hamburgo, aconteceu a mesma coisa. Estavam três ou quatro brasileiros lá. Às vezes, eram pessoas de outros países que levavam bandeiras do Brasil. Isso era quase que uma necessidade. Eu tinha de conseguir me isolar, mas ao mesmo tempo, nos momentos de superação, precisava buscar essa energia com mais pessoas.
Eu passei diversas coisas que (os juvenis de hoje) não precisam mais passar. Tem que encontrar esse meio-termo. Não existe formação de jogador com regalia, com tudo de bom e do melhor, mas não pode ser como acontecia antes. A gente desperdiçava uns caras porque eles não tinham condições para viajar."
Gustavo Kuerten
Você sempre diz algo do tipo "parei, mas não parei". Está tentando trazer o ATP Finals para o Brasil, ajudando nos projetos da CBT, tem a expectativa de amistoso com o Federer, tem o IGK, e a Maria Augusta nasceu no mês passado...
Minha fase agora, pós-circuito, tem sido bem mais ativa do que eu esperava. Talvez até pela idade e por não ficar em competição, fica toda essa adrenalina acumulada. Hoje, os pontos em que eu tenho interesse estão bem definidos. Esse do Tour Finals me atrai demais porque eu acho que encaixa com essa realidade do Brasil. E eu penso: "Em que projetos bons eu posso estar envolvido?". Aí começo a fazer análise do timing, que é adequado. O Brasil está num momento econômico favorável para trazer, e tem minha aproximação com a ATP e o desejo de poder trazer essa oportunidade para semear o tênis aqui no Brasil. Esse é o principal, o grande desafio. Meu papel é conversar com as pessoas da ATP, ver as reais possibilidades, dizer do interesse que a gente tem, de alguns contatos fortes que a gente tem aqui.
E como é o seu papel nesse novo projeto da CBT, tentando implantar centros de treinamento em várias regiões do país?
Eu procuro subsidiar com o melhor tipo de informação possível. A Confederação vem avançando bem, cara. Eles saem colhendo essas informações, e o grande segredo é conseguir encontrar as pessoas mais adequadas para iniciar os polos em diferentes regiões. Para hoje estar iniciando, foram pelo menos dois ou três anos de garimpagem. Para iniciar um projeto no Nordeste, por exemplo, quem é o professor responsável? O cara tem que ter uma afinidade com a entidade, levar a sério, seguir os critérios do projeto. A coisa é macro. Começar para parar não vale a pena. Eles (CBT) estão, além de correndo para o lugar certo, com o favorecimento desse boom econômico, esse momento único que o Brasil vive. Pode ser que de tudo isso que está se produzindo agora, fique 30%, 40%, mas, se fizer a coisa muito bem-feita, ficam as melhores células e vai ser mais do que suficiente. Com esse projeto, não se perde mais um talento no norte.
Essa nova geração, com Thiago Monteiro, Tiago Fernandes, Bruno Sant'Anna, Bia Maia e outros, tem uma ajuda que Júlio Silva, Marcos Daniel, Rogerinho e Bruno Soares, por exemplo, não tiveram. Os jovens de hoje têm essa responsabilidade a mais, não?
Eu vejo assim: este momento que eles vivem nunca existiu no Brasil. Uma equipe montada pela CBT com subsídios e tudo que estão entregando aos jogadores é algo que está começando agora. Eu acho que a obrigação, para esses atletas, é prejudicial. O cara não tem que ter obrigação. Ele tem que ter o desejo. Só que engloba a responsabilidade. A partir daí entra o discernimento do jogador, que futuramente vai demonstrar ser mais capaz. Nessa turma, está sendo legar trabalhar porque a mentalidade deles já é de caras que foram criados sem nenhum vício. Pode ter certeza que na faixa de 15-16 até 18-20 vários ficam pelo caminho. É inevitável que um ou outro tropece ali, se sinta mais incomodado, de repente não tenha interesse tão a fundo. Antes era pior. Antes era imersão ao nada. Mergulhava lá, e a perspectiva era zero. Hoje, há um caminho, um parâmetro, e essa linha tem que se tornar positiva.
Não fica fácil demais para alguns?
Um cara que está hoje numa equipe que a gente monta tem todas as condições ideais. Não fica lacuna. E isso às vezes se torna prejudicial, por incrível que pareça. Os EUA vivem um problema dessa forma. Fica tão fácil que o cara não luta. Essa é uma fagulha que a gente tem que deixar acesa nos atletas. O cara tem que dar sangue todo jogo, toda hora. Eu passei diversas coisas que esses caras não precisam mais passar. Tem que encontrar esse meio-termo. Não existe formação de jogador com regalia, com tudo de bom e do melhor, mas não pode ser como acontecia antes. A gente desperdiçava uns caras porque eles não tinham condições para viajar. Estamos chegando a um equilíbrio. Talvez o amadurecimento desse projeto vá aparecer em torno de cinco anos.
Gustavo Kuerten Guga entrevista especial (Foto: Anderson Rodrigues / Globoesporte.com)Após cirurgias no quadril, Guga se diverte ao falar de suas condições físicas (Anderson Rodrigues)
 
E esse amistoso com o Federer, em dezembro, sai ou não sai?
Vou fazer uma avaliação dos 35 mil quilômetros (rindo) aqui para ver se vou chegar a dezembro. Contra o Del Potro (Guga fez uma exibição com o top 10 argentino em dezembro do ano passado), eu achei que era o limite, agora tem essa ideia do Federer. Para mim, seria um espetáculo. Este ano já começou de forma fantástica, tanto na minha vida pessoal quanto na profissional, com essa notícia do Hall da Fama. Sacramentaria um ano inesquecível. Teoricamente, em Miami (na próxima semana), ele ia assinar alguma coisa para jogar aqui no Brasil. Se  vier aqui e eu tiver condições de desafiá-lo e passar nesse teste dos 35 mil quilômetros aí, eu deixo até ele escolher a superfície. Nem me importo (rindo ainda mais).
Como foram seus primeiros dias como pai?
É uma experiência inesquecível. Não dá nem para imaginar a sensação que transmite, mas é como um amigo meu diz.... Sou cagão mesmo. As coisas acontecem para mim, parece que eu nasci virado para a lua. Até essa experiência de ser pai, estar em casa, curtir este momento, cada sorriso... Parece que o mundo todo se distancia e você vive aquela relação por completo. Uma coisa que complementa todas as necessidades. É muito essencial do ser humano. Estou curtindo bastante. É gostoso desde as experiências como trocar fralda e dar de mamar, acordar no meio da noite. Mas todo o prejuízo ali traz um lucro sempre em conjunto. É muito bacana, e, graças a Deus, minha esposa está bem, a minha filha também está superbem, acho que isso é o fundamental. Até naturalmente já transmite essa vontade de poder continuar ativo, de poder semear ainda coisas boas. Uma nova geração te impulsiona a poder deixar um legado ainda mais imponente.
Gostaria de ver a Maria Augusta ou outro filho, mais para a frente, talvez, jogando tênis? Talvez na sua própria escolinha?
Sem dúvida, cara. Até mesmo porque senão eu não seria um grande promotor do tênis. Independentemente de se ela escolher o tênis ou qualquer outro esporte, vou incentivar
integralmente. Espero não ser um pai intromedito (risos). Vou tentar me controlar sempre, mas o aprendizado com o esporte, a sensação de vê-la numa quadra de tênis... nem sonho que seja nada competitivo ou profissional, mas vê-la jogando tênis já vai me trazer uma alegria sensacional.

FONTE:
http://globoesporte.globo.com/tenis/noticia/2012/03/guga-conta-como-publico-o-ajudou-vencer-e-sonha-ver-filha-tenista.html

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