quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Lutando por Jobson, Dr. Hallal afirma: "Sem conjunto, não solução para ninguém"

Mèdico, psicanalista e torcedor do Botafogo, ele trabalha para recuperar o jogador e espera fazer o que não teve a chance de realizar com Garrincha

Por Thales Soares Rio de Janeiro
 
Botafoguense e pai de quatro filhos, como gosta de se apresentar, Roberto Curi Hallal, de 68 anos, tem um papel importante na vida de um jogador especial para a torcida alvinegra: Jobson. Ele é o responsável pelo tratamento a que o jogador vem sendo submetido, depois de inúmeros problemas de comportamento, que começaram em 2009, quando foi pego no exame antidoping por crack.

Formado em Medicina, em Pelotas, e Psicanálise, na Argentina, Roberto trabalha com projetos sociais. Ele viajou segunda-feira para Juá, no interior do Ceará, onde ficará até domingo cuidando do Instituto Oziris Pontes. Por telefone, em entrevista ao GLOBOESPORTE.COM, mostrou preocupação com a forma como são conduzidos os vários tipos de relacionamento dentro dos clubes de futebol.

- Essa relação é muito primitiva. Vem dos dirigentes, desde lá de cima até o menor. E eles se copiam - afirmou Roberto, que sequer queria ter seu nome revelado antes de perceber que o fato seria inevitável. - Disseram que seria muito difícil.

Sobre Jobson, por questões éticas, ele não se manifestou especificamente para explicar o tratamento. Preocupado com as mazelas do ser humano, Roberto poderá ajudar mais um. Como queria ter feito quando conheceu Garrincha.

- Quem sabe o destino está me dando uma nova oportunidade - comentou Roberto, que se apaixonou pelo Botafogo ouvindo rádio no Rio Grande do Sul, aos seis anos de idade. - Entre não fazer nada e fazer alguma coisa, vou sempre fazer alguma coisa.

GLOBOESPORTE.COM: O senhor não é carioca, como passou a torcer pelo Botafogo?

ROBERTO CURI HALLAL: Desde criança. Até hoje, sigo o Botafogo, como faço com as minhas grandes paixões. Em todos os sentidos na história do clube, vou ajudar onde eu possa me sentir útil. Por outro lado, dedico a minha vida a projetos sociais. Ela me deu muito mais do que eu merecia. Esse excesso é que tento devolver com trabalhos em vários países.

Como é o tratamento do Jobson?É importante ter uma relação de confiabilidade construída. Na hora em que estou conseguindo, não vou permitir que nenhum deslize interfira no futuro das pessoas, inclusive no meu. Nunca prometo algo que não possa cumprir. Por isso, o sigilo é importante na vida.

Mas o Jobson tem jeito?
As condições de previsibilidade na vida são difíceis de fazer. Depende da construção dos envolvidos. Decidimos fazer essa entrevista com pontos positivos para nós dois. Se não houver um conjunto, não há boa solução para ninguém. É uma construção permanente. Não tenho como responder pelo futuro. Sou um profeta do passado. É possível introduzir variáveis positivas e negativas, pode trazer surpresas, passar a ter a capacidade de despertar novidades positivas. A gente tem a tendência a pensar que o pobre, o iletrado é burro. Se pararmos para pensar, o desportista com êxito é uma pessoa inteligente. O problema é que quando alguém quer te atacar, recorre ao pior e o exalta em detrimento das melhores coisas que ninguém ajudou a desenvolver.

Como torcedor, o senhor sofria com a situação do Jobson? Afinal, por enquanto, ainda é um talento desperdiçado.
É difícil eu ter pena de alguém. A última coisa que você deve sentir é pena. Se eu tenho pena, estou me sentindo superior a ele. É preciso o mínimo de critério para avaliar alguém que é bom no que faz. Infelizmente, figuras públicas não são respeitadas como pessoas. Só se explora o que tem de pior. Existe muita inveja e ciúme. Vivemos num país em que pobres sonham que seu filho seja jogador e a filha, modelo, pois supões que assim sejam salvos da miséria. Os seres humanos são frágeis e profundamente capazes. Apesar de tudo, da guerra, da destruição, consegue sobreviver como espécie. Precisamos nos ajudar em forma de um coletivo e atendermos quem necessita.

O senhor já trabalhou com esporte? Acha essa experiência importante num momento como esse?


Estudei medicina durante seis anos e psicanálise outros seis. Compreendo lições. Não é diferente de qualquer outro conjunto humano. São estereótipos. Nesse nível, não aprofundam questões muito sérias. Há grupos que não são grupos, lideranças, na maioria, são negativas. Os dirigentes não estão a serviço dos atletas. Isso interfere nas equipes, que deixam de ser amadoras para se tornarem profissionais com fracassos. É tanta gente misturada, com interesses misturados. A última coisa que existe é manter a pureza da paixão para beneficiar o esporte. Muitas vezes são palcos para encenarmos o que há de pior, são muitos mitos, desprezados que sofrem depressão e ninguém dá bola. Há atletas que não são aproveitados no futebol e se perdem. Um treinador inábil, grosseiro, sem nenhum valor e no qual o clube segue apostando. Até os atletas vão contra por se sentirem maltratados e desrespeitados. Outros, já são capazes de se identificarem com a dor do atleta.

Pelo que entendi, o senhor considera errado o modo como as relações no futebol são conduzidas.


Ele deixa a desejar. Não seria um equívoco. É o modo de funcionar. O que o Barcelona tem de diferente? Eles estão investindo nos meninos desde os seis anos, formando seres humanos e não jogadores de futebol. Aqui, descartamos um jogador apaixonado pelo clube, que não queria ser vendido, sem que ele seja consultado. Isso deprime. Se você fizer isso na sua casa, como ficarão as pessoas queridas? O que vai acontecer?

Como isso poderia se enquadrar no futebol?

Na avaliação não se acredita em causa e efeito. É o conjunto que determina que alguém seja o que é. Um jogador hoje é contratado por uma empresa, não por um clube. Às vezes, numa negociata ou jogada de marketing, nem sempre pensando em melhorar a equipe. Vem a peso de ouro enquanto outros que recebem um salário menos se esforçam mais. Isso gera uma desigualdade social que deixa marcas e cicatrizes. É complexo pensar no esporte, enunciando variáveis de injustiças que nem sempre são nomeadas dentro de uma equipe. Às vezes perdem por isso, mas é difícil ganhar com isso.

E existe alguma maneira de se prevenir com relação a isso?

Os cuidados que se deve ter são com vulnerabilidade e competências. É preciso avaliar antes de investir em qualquer pessoa, seja com namoro, negócio ou qualquer escolha que se faça na vida. Conheço esporte. Quando olho meu time, vejo corpo mole ou alguém mandando errado, sei que não vai dar certo.

Mas o senhor não acha que no futebol é mais difícil fazer isso pelo volume de dinheiro envolvido?

Tem gente com uma vida favorável na adolescência e que só faz bobagem na vida adulta e aquele profundamente pobre, o pouco favorecido, agarra a chance com os pés e mãos. Não podemos imaginar esses protótipos, quem é isso vai ser aquilo. É um grande engodo. Você não pode poupar que seus filhos sofram, nem que eles se voltem contra ti. Se ele for minimamente amado, acolhido, as chances de ser menos vulnerável são maiores. Mas aquele desfavorecido na infância pode encontrar uma mulher que lhe ofereça os cuidados que não tinha e ser feliz. Outros acordam para encher a linguiça do resto da vida, pois não tem o que construir. Já fizeram por ele. Os elementos que fazem pensar a construção da vida do ser humano são imprevisíveis.

O senhor ainda acompanha os jogos no estádio?

Não vou mais com tanta frequência, mas sou um apaixonado pelas coisas do Botafogo. Sempre penso no Botafogo e me dedico a ele.

Teve a chance de ver o Garrincha jogar ao vivo?


Vi sim e o conheci em visita ao Rio, quando fui a General Severiano. Conversamos muito. Isso foi em 1964, quando ainda estudava medicina. Depois, eu o encontrei novamente depois que voltei da Argentina, já formado em psicanálise. Um sonho meu era poder ter ajudado o Garrincha. Já sofria com um grave alcoolismo. Com o conhecimento que tenho, talvez. Com os meios pelos quais o procurei, não fui feliz na receptividade e não houve o contato que eu esperava.

Mas agora o senhor pode ajudar alguém parecido com o Garrincha fora de campo.


Quem sabe o destino está me dando mais uma oportunidade. Mas acho também que a situação do Garrincha já era mais complicada e ele não queria mais.

O Jobson parece que quer. Em entrevista ao GLOBOESPORTE.COM, ele disse que será a última chance dele, porque essa ele vai agarrar.


Isso é importantíssimo. Se você não puder realizar seu sonho, só vai viver de pesadelos. É muito triste para um jovem. Eles precisam seguir sonhando. Isso deve ser um compromisso político.

FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/times/botafogo/noticia/2011/12/lutando-por-jobson-dr-hallal-afirma-sem-conjunto-nao-solucao-para-ninguem.html

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