Enquanto Roberto Assis treinava no Olímpico, lá pelo final dos anos 80,
o irmão dele, ainda criança, com o corpo magricela e a boca já com
dentes que cresciam em diagonal, ficava brincando de jogar bola pelos
campos do estádio. Para alguém tão novo, era impressionante o trato que o
guri dava à esfera de couro. “Ele vai ser melhor do que eu”, dizia
Assis. Passados dez anos, o moleque dentuço começava a se apresentar
como um dos maiores craques já formados pelo Grêmio. Passados mais de 20
anos, ele voltava àquele estádio onde tanto brincou. E entrava nele
pelo vestiário dos fundos.
O retorno de Ronaldinho Gaúcho ao Olímpico foi um daqueles episódios
que não se repetem. Neste domingo, o craque do Flamengo sentiu toda a
ira de uma torcida que se sentiu traída, perdoou e voltou a se envenenar
por aquilo que considerou nova facada no distintivo. Se a saída do
jogador para o Paris Saint-Germain, no início da década passada,
machucou, a ida ao Rio, em 2011, doeu ainda mais. Toda a decepção
explodiu neste domingo, em vaias, ofensas, críticas. E em vitória sobre o
desafeto.
Ronaldinho chegou a Porto Alegre no sábado. No
aeroporto, foi ignorado pelos gremistas. Mas no caminho até o hotel,
caso tenha olhado pela janela do ônibus que o transportou até um hotel
no centro da cidade onde ele nasceu, o jogador viu pichações contra ele.
Antes de subir para seu quarto, sorridente, R10 desejou uma boa tarde a
quem tentou entrevistá-lo. Um dia depois, ele teria uma péssima tarde.
Ronaldinho deixa o campo derrotado no retorno ao Olímpico (Foto: Wesley Santos / Ag. Estado)
A torcida do Grêmio se mobilizou como raras vezes se viu. No início da tarde, torcedores já circulavam aos montes pelo Olímpico. E já apareciam munidos de faixas contra Ronaldinho. E já distribuíam cédulas falsas de 100 reais, com o rosto do jogador impresso. Parecia uma competição, com um torcedor querendo superar o outro no tamanho da manifestação contra o atleta. A polícia coibiu parte do material. Mesmo assim, muitos conseguiram driblar os olhos dos homens de farda. Dentro do estádio, exibiram mensagens chamando R10 de pilantra e mercenário – entre outros recados que chegaram a envolver familiares dele.
Ronaldinho é acompanhado por faixas contra ele
(Foto: Ag. Estado)
(Foto: Ag. Estado)
E aí chegou a hora de Ronaldinho ir a campo. Quando ele pisou no gramado, gremistas arremessaram as cédulas falsas nele. E soltaram gritos de “pilantra”. E soltaram berros de “mercenário”. O craque cumprimentou funcionários do Grêmio, remanescentes dos tempos em que ele vestia tricolor. Quando se posicionou para escutar o hino nacional, só ouviu xingamentos. No hino gaúcho, cantou junto.
A bola haveria de rolar, depois de tanta expectativa. Quando aconteceu, parecia que Ronaldinho estava jogando apenas mais uma partida em sua vida, tamanha a naturalidade do craque. Com três minutos, ele já cobrou uma falta na trave. Pouco depois, deixou Deivid na cara do gol. Mas, aos poucos, foi caindo de rendimento. Não foi ativo nos dois gols que colocaram o Flamengo na frente. E viu, lance a gol, a vitória se transformar em decepção. O Grêmio descontou. E depois empatou. E depois virou. E venceu. Ronaldinho Gaúcho, no retorno ao Olímpico, levou 4 a 2 de seu ex-clube. Ainda recebeu um cartão amarelo, comemorado pelos tricolores como se fosse gol.
Torcedores chamam jogador de mercenário no Olímpico (Foto: Alexandre Alliatti / Globoesporte.com)
- Se comparar com a torcida do Flamengo, isso não é muito barulho, não – disse ele.
Ronaldinho saiu rápido do vestiário dos visitantes para o ônibus. Escapuliu por uma porta lateral.
Enquanto isso, do outro lado do estádio, o Grêmio comemorava a vitória. E Paulo Odone, o presidente que tentou contratar o jogador em janeiro, respondia a ele.
- Não deve ser bom chegar na sua cidade, no clube onde se criou desde pequeno, e ser tão rejeitado. Não deve ser bom...
Os gremistas não vivem um ano dos melhores. A decepção de janeiro, com Ronaldinho, se somou à queda prematura na Libertadores, à perda do Gauchão para o Inter dentro de casa, à despedida de Renato Gaúcho. Mas quando terminar o ano, naqueles dias de retrospectiva, pelo menos uma alegria eles poderão dizer que tiveram. Em 30 de outubro, um domingo de sol, eles se sentiram vingados.
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/brasileirao-serie-a/noticia/2011/10/vaias-ofensas-derrota-o-dia-em-que-ronaldinho-voltou-ao-olimpico.html