Mudança radical no regulamento da F1 faz disputa tecnológica dominar a categoria
A mudança radical do regulamento da F-1, na temporada passada, fez da Mercedes uma equipe imbatível, ao menos em condições normais. Venceu 16 das 19 etapas de 2014, com 11 dobradinhas, conquistou o Mundial de Pilotos, com Lewis Hamilton, e de Construtores com quase o dobro de pontos da RBR, segunda colocada: 701 a 405.
Este ano, seu notável modelo W06 Hybrid demonstrou ser ainda mais veloz e confiável que o carro dos concorrentes. Na abertura do campeonato, domingo, na Austrália, Hamilton ganhou a primeira e Nico Rosberg, o companheiro, ficou em segundo, sem dificuldade alguma, depois de largarem na primeira fila.
Mercedes tem dominado a Fórmula 1 desde
o ano passado (Foto: AFP)
Está claro para a maioria dos fãs da competição, profissionais da F-1 e da imprensa, que não existe grande perspectiva de que esse cenário será distinto até o fim da temporada e, por mais incrível que possa parecer - em razão das regras do jogo, de como a F-1 híbrida se estabeleceu, da sua natureza - de essa hegemonia não se estender até mesmo mais para a frente.
O regulamento atual da F-1 fez da eficiência da unidade motriz, ou seja, o motor de 1,6 litro, turbo, e os dois sistemas de recuperação de energia, MGU-K, cinético, e MGU-H, térmico, algo sem precedentes na história da competição em termos de importância para as conquistas. A disputa tecnológica passou a dominar a cena numa proporção desmedida. A concorrência esportiva tornou-se bem mais dependente do que já era da eficácia do domínio da tecnologia. Em outras palavras, o engenheiro tornou-se ainda mais importante que o piloto.
De tempos em tempos um time passa a se impor na F-1 e às vezes por temporadas seguidas. No passado, Lotus, McLaren, Williams, Ferrari e RBR também tiveram seus campeonatos onde correram sozinhas, sem adversários a ameaçá-las. Portanto, o fato de Hamilton e Rosberg estarem ganhando tudo não representa uma novidade. Certo? Errado.
Há diferenças profundas entre o que acontece hoje na F-1 e em outras eras quando determinada equipe dominava. E são essas distinções que estão tirando o sono de Christian Horner e Adrian Newey, da RBR, e mesmo Bernie Ecclestone, promotor do Mundial. Eles e outros personagens do espetáculo sabem que não será a curto e nem a médio prazo que a Mercedes será desafiada.
viagem no tempo
Num breve resgate histórico, encontramos na distante temporada de 1959 o Cooper-Climax T51 de Jack Brabham, primeiro carro com motor traseiro a vencer o campeonato. A Lotus-Climax 25 de Jim Clark introduziu o conceito de chassi tipo monocoque, em substituição aos tubulares. O escocês seria campeão em 1963 e 1965.
O criador do revolucionário Lotus 25, o genial Colin Chapman, desenvolveu ainda mais o conceito de monocoque ao fazer do motor Ford Cosworth a sua extensão no Lotus 49, de 1967. Não era mais necessário um nicho para acomodar o motor. Com a Lotus 49, Graham Hill conquistou o título de 1968. Esse conceito permanece na F-1 até hoje.
Ainda Chapman, em 1970, lançou outro carro muito além do seu tempo, o modelo 72, com a frente em cunha, radiadores nas laterais, suspensão com barra de torção e discos de freios internos. Jochen Rindt tornou-se campeão em 1970 e Emerson Fittipaldi, em 1972. Mais uma vez Chapman fez escola em 1978, ao lançar o conceito do carro-asa, no modelo Lotus-Ford 78. Mario Andretti venceu o campeonato de 1978 com seu sucessor, o Lotus 79.
A Williams criou, em 1992, novo padrão de desempenho com o FW14B-Renault e sua eficiente suspensão ativa. Nigel Mansell celebrou o Mundial. Em 2009, Ross Brawn coordenou o projeto do modelo BGP001-Mercedes, com o duplo difusor, com o qual Jenson Button foi campeão.
RBR-Renault de 2011: moda conceitual na F1
(Foto: agência Reuters)
era fácil copiar
Descobrir que o adversário adotou o motor atrás do piloto, o chassi tipo monocoque, as asas invertidas nas laterais para fazer o carro asa, a suspensão ativa e o duplo difusor não exigia grandes esforços. E a adoção dessas soluções, da mesma forma, ao menos de um ano para o outro, também não representava nenhum mistério maior. Os novos conceitos empregados e suas inegáveis vantagens eram bem identificáveis. Não era tão difícil reduzir a diferença de desempenho para o time responsável por introduzir o novo conceito.
Com relação ao escapamento aerodinâmico da RBR a história é um pouco diferente. Entender como funcionava e descobrir a importância do mapa de gerenciamento do motor para obter esse efeito não foi de imediato. Mas também uma vez decifrado o enigma, os adversários da RBR adaptaram seus carros para recebê-lo rapidamente. A razão da hegemonia dos monopostos da RBR pode ser atribuída a esse recurso em 2011, mas não em 2012 e 2013. Os concorrentes já dispunham do escapamento aerodinâmico.
Projetos da Newey para a RBR lembraram os
dos carros dos cinco títulos de Schumacher (
Foto: Getty Images)
Os projetos de Newey para a RBR nesses dois anos lembraram os dos carros dos cinco títulos de Michael Schumacher na Ferrari, de 2000 a 2004. Eram excepcionalmente bem concebidos e construídos, mas não incorporavam nada de revolucionário, ao menos nada que os concorrentes não tinham. O motivo principal de sua maior velocidade era a eficiência da integração das refinadas soluções aerodinâmicas e mecânicas do projeto.
Portanto, um grupo de engenheiros de outro time poderia potencialmente conceber um modelo capaz de lutar com a RBR, em 2012 e 2013, e a Ferrari, nos anos de ouro de Schumacher. Essas equipes não tinham segredos tecnológicos.
o que acontece hoje na f-1?
Cowell,
o novo Newey
Já estava claro para todos que uma unidade motriz como o da Mercedes, mais do que responder com potência e resistência, além do baixo consumo de combustível, permite ao grupo responsável pelo projeto do chassi vantagens importantes. E igualmente decisivas na eficiência do projeto como um todo.
Por exemplo: a unidade da Mercedes disponibiliza potência de forma mais progressiva que as demais. Algo de extrema importância por conta das características naturais dos motores turbo, de serem brutos nesse quesito. A suavidade na resposta de potência da Mercedes garante maior equilíbrio ao carro, notadamente nas saídas de curva.
Mercedes disponibiliza potência de forma mais
progressiva que as demais (Foto: Getty Images)
Nunca é demais lembrar que o controle de tração é proibido e os pneus Pirelli são construídos para se degradarem mais rapidamente, o que reforça a importância de uma unidade motriz harmônica como a da Mercedes. Sua influência se estende para todas as áreas do carro.
Outros avanços: a área de radiadores exigida é menor que a da concorrência, facilitando sobremaneira a concepção aerodinâmica, ainda fundamental na F-1. O desenho da unidade motriz como um todo propicia que sua ligação com o monocoque, de um lado, e com o conjunto traseiro, a transmissão e as suspensões, do outro, seja simplificada.
Agora fica mais fácil compreender, também, as razões de o chassi da Mercedes ser tão eficaz como sua unidade motriz. Um é função do outro. Concebidos para trabalhar com um elemento único. A Mercedes tem o que na F-1 define como a complexidade da simplicidade, característica geral dos projetos mais bem-sucedidos.
Como se tudo isso não bastasse, no caso da Mercedes a interação entre motor de combustão interna, turbo, e os dois motores elétricos dos sistemas de recuperação de energia está muito à frente do que fazem Ferrari e Renault. Por essa interação entenda-se os “diálogos” em milissegundos estabelecidos entre os sistemas eletrônicos e mecânicos, responsáveis por armazenar potência e disponibilizá-la.
A programação da central de gerenciamento eletrônico desses sistemas é também uma das áreas de maior avanço da Mercedes.
A maior prova de que é um imenso desafio de engenharia as unidades motrizes responderem, em todos os parâmetros, no nível da unidade da Mercedes é verificar as severas dificuldades que grupos industriais como Ferrari, Renault e Honda estão enfrentando com seus projetos na F-1.
A Ferrari precisou de um ano para melhorar substancialmente sua unidade. A Renault, por enquanto, andou para trás, e a Honda, apesar de estar trabalhando na sua unidade há quase dois anos, quase não consegue fazer o carro da McLaren funcionar.
Williams, Lotus e Force India
Depois há algo que ajuda a explicar bastante esse sucesso: como a Mercedes produz sua própria unidade motriz, ainda em 2011, quando as pesquisas começaram, chassi e unidade motriz foram concebidas já nessa fase de maneira a integrarem-se, como descrito, para um ser função do outro. Esse casamento com comunhão de bens entre as duas partes que a Mercedes apresenta hoje na F-1 é o resultado dessa possibilidade que a montadora alemã tem por fazer tudo em casa.
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/motor/formula-1/noticia/2015/03/livio-oricchio-entenda-por-que-hegemonia-da-mercedes-sera-longa.html
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