Enfim com o terreno para o seu CT, Tricolor quase virou dono de uma área de 750 mil m² com 1 km de praia na Barra no meio do século passado
O plano era visionário para a época. Grandioso, assim por dizer. Cerca
de 20 anos após a profissionalização do futebol no Rio de Janeiro, um
clube da cidade resolveu expandir seus horizontes. Por expandir, leia-se
anexar a seu patrimônio um terreno de exatos 744.295,5 m² com 1 km de
praia na então quase inexplorada Barra da Tijuca. Corria o ano de 1954. O
Brasil no período da pré-ditadura viva o processo de afirmação do
futebol como esporte preferido da população. Seria uma revolução na
história das Laranjeiras. Um espaço capaz de abrigar, com folgas, um
estádio e uma segunda sede social, por exemplo. Até mesmo um centro de
treinamentos, que só agora em 2013, 58 anos depois, enfim caminha para
se tornar realidade. Seria o nascimento da "Praia do Fluminense". A
possível solução para os problemas financeiros do Tricolor. Mas não foi.
E acabou se tornando a incrível história de uma das maiores
oportunidades perdidas pelo Fluminense em seus 110 anos de história.
Aliás, foi exatamente assim, com uma ponta de lamentação, pesar e
desgosto, que o vice-presidente legal da época, Oswaldo Miranda Ferraz,
descreveu a decisão negativa do Conselho Deliberativo - por 72 votos a
27 - na reunião da noite do dia 3 de setembro de 1954, basicamente
tomada por causa da localização do terreno. As informações constam no
relatório de exercício do citado ano guardado no acervo do Flu-Memória e
foram levantadas após uma pesquisa do trio Dhaniel Cohen, Heitor
D’Alincourt e João Boltshauser, que trabalha no setor de história do
clube.
Progresso pelo mar
O primeiro plano visionário de expansão para além dos muros das Laranjeiras nasceu e morreu com o presidente Antônio Leite (1953-1955). Em troca do espaço de quase 800 mil m² que seria doado após negociações com diversos proprietários da região, o Tricolor assumiria a responsabilidade de construir no local um campo com concentração para os atletas em seis anos. No total, o projeto da aquisição imobiliária, da construção de uma sede campestre e de uma pista de atletismo estava orçado em 27 milhões de cruzeiros (R$ 14,8 milhões na cotação atual, segundo atualização de valores feita com base no Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna da Fundação Getúlio Vargas). Atualmente, um terreno deste tamanho na região, segundo o Fluminense, poderia valer cerca de R$ 1 bilhão.
- Muito me esforcei para obter o assentimento dos proprietários dos terrenos daquela região (...), onde o Fluminense, no futuro, iria construir novas instalações desportivas, a par de ainda lhe sobrar um descomunal patrimônio imobiliário. Coloquei todo o meu esforço naquele plano que, infelizmente, não mereceu a aprovação do Conselho Deliberativo (...) Aquela decisão denegatória ficará, a meu ver, na história do clube como um hiato na sucessão de gloriosos empreendimentos. Perdeu o Fluminense uma grande oportunidade e queira Deus que nossos netos possam vislumbrar outros horizontes, fora do acanhamento das Laranjeiras, tão largos e vastos como aqueles que o presidente Antônio Leite, eu e os trinta e poucos conselheiros que nos acompanharam naquela noite memorável de setembro de 1954, procuraram dar ao sempre querido Tricolor - detalhou Oswaldo em seu texto.
O projeto elaborado por Antônio e Oswaldo era bem claro. E até certo
ponto um tanto quanto óbvio apesar de sua grandiosidade. Visionários, os
dois e um grupo de outros dirigentes pretendiam manter nas Laranjeiras a
sede social e algumas atividades esportivas, mas já percebiam que o
futebol precisava de mais espaço. Precisava de um novo terreno. Em uma
época em que o desenvolvimento do esporte bretão ainda engatinhava no
país, os campeonatos nacionais sequer existiam e o Brasil estava a
quatro anos da conquista de sua primeira Copa do Mundo, alguns membros
da diretoria do Fluminense pensavam grande. E se apoiavam na simples
teoria de que o progresso nas cidades marítimas se desenvolve sempre
através de sua orla litorânea. Trocando em miúdos: a Barra da Tijuca
ainda não era nada perto da já quase saturada Zona Sul da cidade. Mas um
dia viria a ser.
14 vezes as Laranjeiras, 18 vezes o futuro CT
Nas palavras de Leite em documentos da época, o bairro também foi escolhido para as novas instalações por ser uma região várias vezes maior do que Copacabana, Ipanema, Leblon e Gávea juntos. Explica-se: a área desejada pelo Fluminense era 14 vezes maior do que a ocupada pela sede das Laranjeiras e 18 vezes maior do que a do terreno cedido recentemente pela prefeitura ao clube em Jacarepaguá. No espaço de aproximadamente 750 mil m², por exemplo, daria para se construir quase 74 campos oficiais de futebol com as medidas máximas determinadas pela Fifa (120m x 90m).
O espaço, que era dividido em cinco terrenos na época, ficava localizado a um quilômetro e meio de um restaurante chamado Corsário, com frente para a antiga Avenida Litorânea (planejada nos anos 30 para acompanhar todo o litoral da Barra partindo do Recreio) e era cortado pelo Canal de Marapendi. Havia ainda o intuito de erguer uma sede náutica por lá.
Empolgados, dirigentes, seus familiares e alguns associados chegaram a visitar o local em junho de 1954. Pelas fotos do acervo do Flu-Memória, avista-se uma enorme área descampada, muito mato e a até a Pedra da Gávea ao fundo. Antes mesmo do plano de urbanização e expansão da Barra da Tijuca, elaborado por Lucio Costa em 1969, e até da construção da Autoestrada Lagoa Barra/Elevado do Joá, inaugurados apenas no início da década de 70, o Fluminense já apostava no bairro. Mas foi traído pelos próprios tricolores.
GALERIA DE FOTOS: veja as imagens da visita ao terreno
Para a efetivação dos acordos já ajustados com os diferentes proprietários, a diretoria solicitou ao Conselho Deliberativo a homologação das negociações combinadas em 21 de junho de 1954. Foi constituída então uma comissão com cinco membros para apresentar na sessão seguinte um parecer sobre o assunto. Na reunião do dia 3 de setembro de 1954, o projeto foi posto em votação e acabou derrotado, apesar do parecer favorável da comissão, principalmente por causa de sua localização.
- O direito de sonhar não é um privilégio dos visionários ou dos que procuram o sono. Também acordados os tricolores da atualidade poderão vislumbrar o que poderá vir a ser o futuro Fluminense de seus filhos, netos e bisnetos - defendeu Antônio Leite, em vão, durante a reunião do conselho.
Tais filhos, netos e bisnetos tiveram de esperar. Mais precisamente 58 anos até a última quarta-feira, quando a cessão do terreno para o Fluminense foi publicada no Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro. Se a história fosse diferente, a ideia dos tricolores poderia ter mudado - e muito - a urbanização do início da Barra. Segundo o urbanista Pedro da Luz Moreira, o famoso Country, clube de 12 mil m² encravado no coração de Ipanema, é uma boa analogia para tentar explicar situação. Mas ele frisa que ao contrário da estimativa feita pelo clube, é difícil afirmar que o terreno valeria hoje cerca de R$ 1 bilhão.
- Realmente seria uma extensão muito expressiva. O Jardim Oceânico, por exemplo, é uma área que precede ao Plano Lúcio Costa e teve uma ocupação mais tradicional, baseada no loteamento de ruas, quadras e lotes. Provavelmente o Fluminense teria um impacto grande nesta região. A analogia mais palpável que a gente pode ter, mesmo em proporções menores, é o Country, que deixou uma área congelada no meio de Ipanema. Ao mesmo tempo, também poderia trazer impactos positivos para a vizinhança. Existem apartamentos na Rua Prudente de Morais com vista para a praia por causa da baixa altura das construções do Country. Isso valoriza uma quadra que não é a beira-mar - explicou o especialista, vice-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e professor de arquitetura e urbanismo da UFF.
- O que acho difícil é estimar um preço para esse possível terreno hoje em dia. Ainda mais que mesmo que ele fosse do Fluminense não seria fácil vender, uma vez que não estaríamos tratando de uma propriedade privada e sim de todos os sócios.
Nova tentativa frustrada em 1971
Entre loucuras, realidades, planos e sonhos que ficaram pelo caminho, o Fluminense esteve perto de seu CT outras duas vezes, com os presidentes Francisco Laport (1969-1971) e Francisco Horta (1975-1978). O primeiro chegou a tentar adquirir um terreno de 115.940 m² na Avenida Ayrton Senna, onde hoje está localizado o shopping Via Parque. O projeto, porém, esbarrou mais uma vez no Conselho Deliberativo, já na gestão seguinte.
- Perdemos ali uma oportunidade extraordinária de ter uma sede campestre, que poderia abrigar um CT. Felizmente agora o presidente Peter Siemsen apaga uma falha nossa lá atrás - resumiu o ex-presidente Francisco Horta, vice de Interesses Legais na gestão de Laport e que chegou até a recorrer em vão à Justiça quando se tornou o mandatário anos depois.
O tempo passou, a Barra da Tijuca cresceu, o que era longe ficou perto e o erro de outrora já não pode mais ser reparado. Assim como é impossível prever o patamar em que o Fluminense estaria hoje caso a votação de setembro de 1954 tivesse um resultado diferente. Quase 60 anos depois, a atual diretoria tricolor tenta apenas escrever o futuro de outra maneira. E, por ironia do destino, em Jacarepaguá, a alguns quilômetros da praia que um dia esteve perto de ser do Fluminense, mas hoje é da Barra.
- Nossa vitória hoje e a aquisição deste terreno para a construção do CT é um resgate a dirigentes visionários do passado - resumiu o presidente Peter Siemsen.
Clique aqui e veja mais vídeos do Fluminense
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/times/fluminense/noticia/2013/03/historias-incriveis-como-flu-perdeu-sua-praia-e-o-projeto-visionario-de-54.html
Dirigentes,
familiares e associados posam em frente ao que seria a futura "Praia do
Fluminense" e hoje é o início da Praia da Barra (Foto: Arquivo / Acervo
Flu-Memória)
Progresso pelo mar
O primeiro plano visionário de expansão para além dos muros das Laranjeiras nasceu e morreu com o presidente Antônio Leite (1953-1955). Em troca do espaço de quase 800 mil m² que seria doado após negociações com diversos proprietários da região, o Tricolor assumiria a responsabilidade de construir no local um campo com concentração para os atletas em seis anos. No total, o projeto da aquisição imobiliária, da construção de uma sede campestre e de uma pista de atletismo estava orçado em 27 milhões de cruzeiros (R$ 14,8 milhões na cotação atual, segundo atualização de valores feita com base no Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna da Fundação Getúlio Vargas). Atualmente, um terreno deste tamanho na região, segundo o Fluminense, poderia valer cerca de R$ 1 bilhão.
- Muito me esforcei para obter o assentimento dos proprietários dos terrenos daquela região (...), onde o Fluminense, no futuro, iria construir novas instalações desportivas, a par de ainda lhe sobrar um descomunal patrimônio imobiliário. Coloquei todo o meu esforço naquele plano que, infelizmente, não mereceu a aprovação do Conselho Deliberativo (...) Aquela decisão denegatória ficará, a meu ver, na história do clube como um hiato na sucessão de gloriosos empreendimentos. Perdeu o Fluminense uma grande oportunidade e queira Deus que nossos netos possam vislumbrar outros horizontes, fora do acanhamento das Laranjeiras, tão largos e vastos como aqueles que o presidente Antônio Leite, eu e os trinta e poucos conselheiros que nos acompanharam naquela noite memorável de setembro de 1954, procuraram dar ao sempre querido Tricolor - detalhou Oswaldo em seu texto.
O relato do vice-presidente legal após a decisão do Conselho Deliberativo (Foto: Acervo/Flu-Memória)
14 vezes as Laranjeiras, 18 vezes o futuro CT
Nas palavras de Leite em documentos da época, o bairro também foi escolhido para as novas instalações por ser uma região várias vezes maior do que Copacabana, Ipanema, Leblon e Gávea juntos. Explica-se: a área desejada pelo Fluminense era 14 vezes maior do que a ocupada pela sede das Laranjeiras e 18 vezes maior do que a do terreno cedido recentemente pela prefeitura ao clube em Jacarepaguá. No espaço de aproximadamente 750 mil m², por exemplo, daria para se construir quase 74 campos oficiais de futebol com as medidas máximas determinadas pela Fifa (120m x 90m).
O espaço, que era dividido em cinco terrenos na época, ficava localizado a um quilômetro e meio de um restaurante chamado Corsário, com frente para a antiga Avenida Litorânea (planejada nos anos 30 para acompanhar todo o litoral da Barra partindo do Recreio) e era cortado pelo Canal de Marapendi. Havia ainda o intuito de erguer uma sede náutica por lá.
Empolgados, dirigentes, seus familiares e alguns associados chegaram a visitar o local em junho de 1954. Pelas fotos do acervo do Flu-Memória, avista-se uma enorme área descampada, muito mato e a até a Pedra da Gávea ao fundo. Antes mesmo do plano de urbanização e expansão da Barra da Tijuca, elaborado por Lucio Costa em 1969, e até da construção da Autoestrada Lagoa Barra/Elevado do Joá, inaugurados apenas no início da década de 70, o Fluminense já apostava no bairro. Mas foi traído pelos próprios tricolores.
GALERIA DE FOTOS: veja as imagens da visita ao terreno
Para a efetivação dos acordos já ajustados com os diferentes proprietários, a diretoria solicitou ao Conselho Deliberativo a homologação das negociações combinadas em 21 de junho de 1954. Foi constituída então uma comissão com cinco membros para apresentar na sessão seguinte um parecer sobre o assunto. Na reunião do dia 3 de setembro de 1954, o projeto foi posto em votação e acabou derrotado, apesar do parecer favorável da comissão, principalmente por causa de sua localização.
- O direito de sonhar não é um privilégio dos visionários ou dos que procuram o sono. Também acordados os tricolores da atualidade poderão vislumbrar o que poderá vir a ser o futuro Fluminense de seus filhos, netos e bisnetos - defendeu Antônio Leite, em vão, durante a reunião do conselho.
Tais filhos, netos e bisnetos tiveram de esperar. Mais precisamente 58 anos até a última quarta-feira, quando a cessão do terreno para o Fluminense foi publicada no Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro. Se a história fosse diferente, a ideia dos tricolores poderia ter mudado - e muito - a urbanização do início da Barra. Segundo o urbanista Pedro da Luz Moreira, o famoso Country, clube de 12 mil m² encravado no coração de Ipanema, é uma boa analogia para tentar explicar situação. Mas ele frisa que ao contrário da estimativa feita pelo clube, é difícil afirmar que o terreno valeria hoje cerca de R$ 1 bilhão.
- Realmente seria uma extensão muito expressiva. O Jardim Oceânico, por exemplo, é uma área que precede ao Plano Lúcio Costa e teve uma ocupação mais tradicional, baseada no loteamento de ruas, quadras e lotes. Provavelmente o Fluminense teria um impacto grande nesta região. A analogia mais palpável que a gente pode ter, mesmo em proporções menores, é o Country, que deixou uma área congelada no meio de Ipanema. Ao mesmo tempo, também poderia trazer impactos positivos para a vizinhança. Existem apartamentos na Rua Prudente de Morais com vista para a praia por causa da baixa altura das construções do Country. Isso valoriza uma quadra que não é a beira-mar - explicou o especialista, vice-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e professor de arquitetura e urbanismo da UFF.
- O que acho difícil é estimar um preço para esse possível terreno hoje em dia. Ainda mais que mesmo que ele fosse do Fluminense não seria fácil vender, uma vez que não estaríamos tratando de uma propriedade privada e sim de todos os sócios.
Imagens
da visita da comitiva tricolor ao terreno no início da Barra da Tijuca
em junho de 1954: mato, área descampada, a futura "Praia do Fluminense" e
a Pedra da Gávea ao fundo (Foto: Acervo/Flu-Memória)
Entre loucuras, realidades, planos e sonhos que ficaram pelo caminho, o Fluminense esteve perto de seu CT outras duas vezes, com os presidentes Francisco Laport (1969-1971) e Francisco Horta (1975-1978). O primeiro chegou a tentar adquirir um terreno de 115.940 m² na Avenida Ayrton Senna, onde hoje está localizado o shopping Via Parque. O projeto, porém, esbarrou mais uma vez no Conselho Deliberativo, já na gestão seguinte.
- Perdemos ali uma oportunidade extraordinária de ter uma sede campestre, que poderia abrigar um CT. Felizmente agora o presidente Peter Siemsen apaga uma falha nossa lá atrás - resumiu o ex-presidente Francisco Horta, vice de Interesses Legais na gestão de Laport e que chegou até a recorrer em vão à Justiça quando se tornou o mandatário anos depois.
O tempo passou, a Barra da Tijuca cresceu, o que era longe ficou perto e o erro de outrora já não pode mais ser reparado. Assim como é impossível prever o patamar em que o Fluminense estaria hoje caso a votação de setembro de 1954 tivesse um resultado diferente. Quase 60 anos depois, a atual diretoria tricolor tenta apenas escrever o futuro de outra maneira. E, por ironia do destino, em Jacarepaguá, a alguns quilômetros da praia que um dia esteve perto de ser do Fluminense, mas hoje é da Barra.
- Nossa vitória hoje e a aquisição deste terreno para a construção do CT é um resgate a dirigentes visionários do passado - resumiu o presidente Peter Siemsen.
Clique aqui e veja mais vídeos do Fluminense
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/times/fluminense/noticia/2013/03/historias-incriveis-como-flu-perdeu-sua-praia-e-o-projeto-visionario-de-54.html
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