A CRÔNICA
por
Alexandre Alliatti
A maluquice é pensar que não temos vaga ideia do que fazíamos em 3 de
junho de 1992, quando pela primeira vez Mario, mais um recém-nascido
qualquer a chorar num hospital qualquer da Alemanha, viu a luz. Dada
nossa sina de marionetes do tempo, estávamos indiferentes à história que
começava a ser costurada – lavávamos louça, víamos novela, reclamávamos
do centroavante tosco de nosso time, discutíamos futebol com nosso pai,
aquela figura de rugas desenhadas também pela dor e pela glória que o
futebol tanto nos dá. Não podíamos imaginar o que aconteceria tanto
tempo depois, naquele inalcançável 13 de julho de 2014, naquele futuro
domingo de sol no Maracanã, naquele instante precioso em que o pequeno
Mario, o gigante Mario Götze, com apenas 22 anos e uma eternidade pela
frente, receberia de Schürrle aos oito minutos do segundo tempo da
prorrogação, dominaria no peito e desviaria para o gol. Não podíamos
calcular que surgia o protagonista da vitória por 1 a 0 na final, o
sujeito que evitaria uma festa da Argentina no Maracanã, o atleta que
tornaria a Alemanha tetracampeã mundial de futebol!
A Argentina de Messi foi grande até os limites supremos. Encarou um
time melhor e talvez merecesse a vitória, o título, tanto quanto a
Alemanha. Detalhes mudam vidas, mudam histórias, e agora eles penderam
para Alemanha – para euforia, absoluto delírio, da torcida brasileira
presente no Maracanã. A seleção germânica se iguala à Itália como
tetracampeã mundial. O Brasil segue soberano, com cinco conquistas, e a
Argentina continua com duas. O terceiro duelo entre alemães e argentinos
em finais é também a primeira vez que uma seleção europeia ganha a Copa
no continente americano.
O mundo diante de Higuaín
Sussurros seriam ouvidos do outro lado do estádio se alguém ousasse abrir a boca aos 20 minutos do primeiro tempo, naqueles dois ou três segundos de mutismo coletivo em que Higuaín recebeu uma bola de presente de Toni Kroos e, sozinho, avançou com ela na direção de Neuer. Existem chances que não se perdem nem em peladas de família, quanto mais numa final de Copa do Mundo, mas o atacante argentino, talvez embasbacado pela oportunidade que ganhara, talvez se perguntando se merecia tanto, cometeu a insanidade de desperdiçar o gol.
O problema é que o futebol tem algo de rancoroso. O mesmo Higuaín, alguns minutos depois, entrou na área feito um caminhão sem freios, aproveitou cruzamento de Lavezzi, lá da direita, e mandou para as redes. Saiu vibrando, em surto, correndo como um sujeito que daria a volta ao mundo se o Maracanã não tivesse paredes, mas aí o teto dele desabou: do outro lado, o auxiliar, esse corta-prazeres de atacantes, tinha sua bandeira erguida.
Correto: o atacante estava de fato impedido.
A grande questão é que os dois lances, acrescidos de uma arrancada
assombrosa de Messi (cortada por um Boateng que só precisa de um par de
asas para ser decretado anjo da equipe), mostram que houve algo de
errado no sólido reino defensivo germânico. Os problemas começaram antes
de o jogo começar, por mais estranho que pareça. Khedira, peça
essencial na engrenagem do meio-campo, sentiu dores musculares no
aquecimento. Não foi a campo. Entrou Kramer, que só tinha jogado 11
minutos na Copa inteira e também sairia lesionado, ainda no primeiro
tempo, para a entrada de Schürrle.
Frigidos os ovos, é notável que a Argentina fez muito bom primeiro tempo – e não foi graças apenas aos eternos incômodos causados por Messi e suas disparadas de homem de mil pernas. Também pela defesa. E mesmo se baseando numa estratégia curiosa: deixar Schweinsteiger passear pelo campo como se estivesse de férias. Alejandro Sabella, por algum motivo, preferiu concentrar atenções em acossar os atletas servidos pelo camisa 7, não o próprio. A tática parece suicida, mas até que deu resultado. Porém, quase ruiu no finzinho da etapa, quando Höwedes subiu nas cercanias da estratosfera para cabecear na trave argentina. No rebote, a bola ainda bateu em Müller, e Romero defendeu, mas o lance já estava anulado por impedimento.
Quase, Messi!
A expectativa de qualquer ser humano alimentado de esperanças é que Messi, ao ir para o vestiário, seja acometido por uma crise de piedade e resolva parar de infernizar defesas alheias. Mas não costuma acontecer – quem não voltou foi Lavezzi, substituído por Agüero. Com menos de dois minutos no segundo, a Pulga recebeu em profundidade na esquerda e mandou um chute cruzado que triscou a trave protegida pelas luvas de Neuer. Quase.
A partir daí, as chances de gol se tornaram mais escassas. As equipes
encontraram dificuldades de escapar ao ataque, e o jogo ficou mais preso
nos limites entre uma intermediária e outra. A parte final da
construção passou a ter repetidos erros de lado a lado – linda jogada de
Özil poderia ter resultado em gol mesmo assim, mas Kroos bateu mal. E a
prorrogação começou a dar as caras no Maracanã.
As duas seleções, com o passar do tempo, ficaram mais e mais encabuladas de tentar movimentos que expusessem suas defesas. Mesmo as trocas foram comedidas: na Argentina, Palacio no lugar de Higuaín, Gago no de Enzo Perez; na Alemanha, Götze na vaga de Klose. Consequência: prorrogação.
O último ato
A Alemanha entrou na prorrogação babando de vontade de ganhar. No primeiro lance do tempo extra, Schürrle quase marcou. Romero espalmou o chute do atacante. A Argentina, fechada, deixou claro que se abraçaria aos contra-ataques, e os europeus passaram a ter domínio do jogo – mas sem grande contundência.
A tensão era evidente no Maracanã – era quase um organismo vivo. E
Palacio quase fez. Em rara falha de Hummels, o atacante conseguiu
dominar na área e tocar por cima de Neuer, mas a bola saiu. Os minutos
finais foram duros, pegados – a ponto de Schweinsteiger sair sangrando
depois de Agüero deixar o braço no rosto dele. Ficou evidente o cansaço
das duas equipes e a impressão de que só uma jogada aleatória poderia
evitar os pênaltis.
Mas não houve aleatoriedade. Houve talento. Schürrle, brilhante, fez ótima jogada e mandou na área. Götze, ao matar no peito, encontrou a bola e a posteridade ao mesmo tempo. Mandou para o gol. Mandou para a história – para a história de uma enorme tetracampeã!
Götze agradece! O pequeno gigante
entra para a história alemã com o gol
do tetra (Foto: Reuters)
O mundo diante de Higuaín
Sussurros seriam ouvidos do outro lado do estádio se alguém ousasse abrir a boca aos 20 minutos do primeiro tempo, naqueles dois ou três segundos de mutismo coletivo em que Higuaín recebeu uma bola de presente de Toni Kroos e, sozinho, avançou com ela na direção de Neuer. Existem chances que não se perdem nem em peladas de família, quanto mais numa final de Copa do Mundo, mas o atacante argentino, talvez embasbacado pela oportunidade que ganhara, talvez se perguntando se merecia tanto, cometeu a insanidade de desperdiçar o gol.
O problema é que o futebol tem algo de rancoroso. O mesmo Higuaín, alguns minutos depois, entrou na área feito um caminhão sem freios, aproveitou cruzamento de Lavezzi, lá da direita, e mandou para as redes. Saiu vibrando, em surto, correndo como um sujeito que daria a volta ao mundo se o Maracanã não tivesse paredes, mas aí o teto dele desabou: do outro lado, o auxiliar, esse corta-prazeres de atacantes, tinha sua bandeira erguida.
Correto: o atacante estava de fato impedido.
Higuaín marca, mas o gol
é corretamente anulado pelo
auxiliar (Foto: Reuters)
Frigidos os ovos, é notável que a Argentina fez muito bom primeiro tempo – e não foi graças apenas aos eternos incômodos causados por Messi e suas disparadas de homem de mil pernas. Também pela defesa. E mesmo se baseando numa estratégia curiosa: deixar Schweinsteiger passear pelo campo como se estivesse de férias. Alejandro Sabella, por algum motivo, preferiu concentrar atenções em acossar os atletas servidos pelo camisa 7, não o próprio. A tática parece suicida, mas até que deu resultado. Porém, quase ruiu no finzinho da etapa, quando Höwedes subiu nas cercanias da estratosfera para cabecear na trave argentina. No rebote, a bola ainda bateu em Müller, e Romero defendeu, mas o lance já estava anulado por impedimento.
Quase, Messi!
A expectativa de qualquer ser humano alimentado de esperanças é que Messi, ao ir para o vestiário, seja acometido por uma crise de piedade e resolva parar de infernizar defesas alheias. Mas não costuma acontecer – quem não voltou foi Lavezzi, substituído por Agüero. Com menos de dois minutos no segundo, a Pulga recebeu em profundidade na esquerda e mandou um chute cruzado que triscou a trave protegida pelas luvas de Neuer. Quase.
Messi chuta cruzado, à esquerda de
Neuer. Por um triz a Argentina não
abriu o placar (Foto: AFP)
As duas seleções, com o passar do tempo, ficaram mais e mais encabuladas de tentar movimentos que expusessem suas defesas. Mesmo as trocas foram comedidas: na Argentina, Palacio no lugar de Higuaín, Gago no de Enzo Perez; na Alemanha, Götze na vaga de Klose. Consequência: prorrogação.
O último ato
A Alemanha entrou na prorrogação babando de vontade de ganhar. No primeiro lance do tempo extra, Schürrle quase marcou. Romero espalmou o chute do atacante. A Argentina, fechada, deixou claro que se abraçaria aos contra-ataques, e os europeus passaram a ter domínio do jogo – mas sem grande contundência.
Êxtase em campo! Götze é cercado
após fazer o gol do título
(Foto: Getty Images)
Mas não houve aleatoriedade. Houve talento. Schürrle, brilhante, fez ótima jogada e mandou na área. Götze, ao matar no peito, encontrou a bola e a posteridade ao mesmo tempo. Mandou para o gol. Mandou para a história – para a história de uma enorme tetracampeã!
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