Apelidado de Locomotiva, clube superou três anos de inatividade para, sob o comando de uma presidente e seu marido, tentar aparecer para o país
Carinhosamente chamado de Locomotiva, o time, que se profissionalizou em 1991, mesmo ano em que foi instalado o Estado do Amapá - que já era considerado território federal desde 1943, quando se separou do Pará -, é hoje o mais bem estruturado da região. E, por isso, encara a partida como a grande chance de finalmente aparecer para o resto do país e mostrar que lá perto do Oiapoque também se joga bola.
O nome Trem é simplesmente uma homenagem ao local onde nasceu o clube. Tradicional em Macapá, o bairro do Trem assim foi batizado devido a vestígios de trilhos encontrados logo após a instalação do território federal. E na condução desse Trem, o clube, está o casal Marinho. Socorro é a presidente. Aos 48 anos, ela, que enfrentou muitos preconceitos para chegar onde está, comanda o clube com pulso firme. Apesar de “mandar e bater o martelo”, a analista judiciária do Tribunal de Justiça do Amapá divide as responsabilidades com o marido, o presidente do Conselho Deliberativo, advogado e ex-mandarário da agremiação, Osmar Marinho. Filho de um dos fundadores do Trem, ele se encantou pela atleta Socorro há 26 anos, e hoje a história desses dois “maquinistas” se confunde com a da Locomotiva amapaense.
Casados, Osmar e Socorro Marinho são dirigentes e também torcedores do Trem-AP (Foto: Divulgação)
Socorro confirmou as palavras do marido e, a uma semana do Dia Internacional da Mulher, ressaltou a dificuldade que é estar no comando de um clube de futebol no estado do Amapá:
- Vivemos numa sociedade muito machista, a minha briga foi muito grande. Muita gente não queria que eu fosse presidente por eu ser mulher. A imprensa me ajudou muito, e a comunidade também. Hoje as pessoas já me engolem.
Mas Socorro não está sozinha. No dia a dia do Trem, ela conta com o apoio incondicional do marido, e garante que a convivência dos dois é boa, embora, como qualquer casal, eles nem sempre pensem da mesma maneira...
- Às vezes há desavenças entre nós. Por exemplo, se ele acha que temos de contratar fulano e eu não, tenho de convencê-lo para chegarmos a um consenso. Mas a decisão final é minha - afirmou, bem-humorada.
Com a Copa do Brasil como vitrine, Trem tem a Série C como grande objetivo
Perto do jogo da vida na Copa do Brasil, jogadores
treinam no CT do Trem-AP (Foto: Divulgação)
treinam no CT do Trem-AP (Foto: Divulgação)
- Nosso objetivo hoje é trabalhar para ir o mais longe possível na Copa do Brasil, que é uma vitrine, uma forma de arrecadar recursos, e passar para a Série C. É a nossa grande meta, e nós vamos alcançá-la - disse Osmar, otimista.
No entanto, os mais de 2,5 mil quilômetros que separam a capital Macapá de grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo, tornam a tarefa do Trem ainda mais difícil. Segundo o diretor de futebol, Ronaldo Tavares, ainda há um certo preconceito com o futebol do Norte do país.
- Estamos cansados de disputar campeonatos nacionais e passar vergonha. Isso não pode acontecer. O que pesa muito é a discriminação que o pessoal do Sul do país tem com o povo do Amapá. Estamos querendo mostrar para o Brasil que nós existimos. As pessoas têm ideia de que aqui só tem um banco de índios. Na verdade, estamos fazendo uma força-tarefa em prol do futebol do Amapá - contou o dirigente, que trocou o Ypiranga, maior rival, pelo Trem.
O maquinista é o mascote do Trem-AP (Divulgação)
- Fizemos um apelo com uma frente de trabalho para trazer o torcedor. O bairrismo aqui era grande. Corremos para a mídia local para chamar o torcedor de qualquer clube, alegando que o foco principal era o estado do Amapá. Havia camisas de todos os clubes dentro do estádio. Independentemente de passarmos para a outra fase, conseguimos resgatar o orgulho do torcedor do estado. Conseguimos dar alegria para o povo do Amapá - contou Ronaldo, lembrando que chegou a desmaiar e teve de assistir ao jogo da ambulância, dentro do gramado.
Para representar o Amapá com dignidade, o Trem, que possui uma sede com piscina e ginásio poliesportivo, além de um centro de treinamento, se prepara para ser o único clube dono de um estádio na região. As obras estão a todo vapor, e a inauguração do palco que abrigará 3.500 torcedores está prevista para julho, durante o Campeonato Estadual. Os recursos saíram dos próprios bolsos de Osmar e Socorro Marinho, que também contam com a ajuda do empresário Itamar Sarmento.
- Tudo o que a gente tem eu coloco no Trem, se precisar até a minha casa. Deus me deu além do que eu precisava, então eu invisto. Já peguei até um empréstimo pessoal no valor de R$ 130 mil para colocar no clube - revelou Socorro.
Parque aquático está à disposição para os 4.830 sócios do clube (Foto: Divulgação)
- Isso tudo é ao contrário do que acontece no futebol. Eu, a Socorro e o Itamar seguramos o clube com responsabilidade. Aqui as coisas são tratadas de forma muito séria. Temos um cuidado muito grande - disse Osmar Marinho.
E todo esse cuidado se deve ao fato de a gestão dos Marinho ter conseguido sanar uma grande dívida anterior. Para se ter uma ideia, o clube chegou a ter contra ele 400 processos judiciais. Todos foram resolvidos.
Reprodução da camisa do Trem-AP (Foto:Divulgação)
- O clube ficou abandonado e começaram a surgir também processos fantasiosos. Éramos quatro advogados somente para defender o clube. Tivemos que pagar 14. Os outros tiveram decisões favoráveis. Gastamos em torno de R$ 1 milhão, parcelado, e tivemos de trocar alguns bens. Fizemos uma ação muito contundente no sentido de pagar essas dívidas. Ficamos três anos sem disputar competições profissionais, recuperamos patrimônio, investimos na base e conseguimos equilibrar as finanças - ressaltou Osmar, que também é graduado em economia.Mas tudo isso faz parte do passado. Hoje o Trem, como sua presidente, tem sido bem-sucedido na luta para superar preconceitos e acabar com estereótipos. Avançando ou não para a segunda fase da Copa do Brasil, a Locomotiva já percorreu um importante percurso para colocar de vez o seu nome no mapa do futebol brasileiro.
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/copa-do-brasil/noticia/2011/03/brasil-afora-casal-conduz-o-trem-para-colocar-o-amapa-no-mapa.html
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