Demissões desastradas, empresa da família, contrato com comissão misteriosa e o rebaixamento à Série B: o melancólico fim de mandato de Maurício Assumpção
Na
quarta e última reportagem da série, o GloboEsporte.com conta os
últimos capítulos da novela que levaram o Botafogo ao rebaixamento em
2014. A falta de autoridade dos dirigentes, a descoberta das comissões
de patrocínio para a empresa da família do presidente Maurício
Assumpção, a desestruturação do elenco, a demissão desastrada de
jogadores, o estranho contrato de empréstimo, as crises de
relacionamento e a mais previsível das quedas à Série B do Campeonato
Brasileiro.
CAPÍTULO IV
Dossiê Botafogo
1 – Caso Romar
No dia 30 de
julho de 2014, o GloboEsporte.com revelou que a Romar Representações, empresa da família do presidente
Maurício Assumpção, recebia comissões do principal contrato de patrocínio do
clube, o da Viton 44. O presidente admitiu que o contrato existia, mas disse que não recebia nada da empresa.– Eu, Mauricio Assumpção de Souza Junior, não tenho participação na Romar Representações LTDA e sequer recebi qualquer valor oriundo da empresa.
Maurício disse não ver "conflito ético" no contrato. A revelação pegou mal entre os jogadores e caiu como uma bomba no clube. Uma reunião no Conselho Deliberativo discutiu a possibilidade de impeachment do presidente, mas Carlos Augusto Montenegro disse que a ideia era inviável por causa dos prazos eleitorais.
documentos Botafogo financeiro (
Foto: Reprodução)
Foi instalada uma "comissão de crise" para tentar intervir na gestão. Assumpção a ignorou e continuou a tocar negociações do clube, tentando obter recursos das mais diversas formas. No dia 31 de julho, o goleiro Jefferson publicou em seu Instagram um vídeo e brincou.
– Já não estava muito bom, poderia melhorar, mas agora piorou.
Fora de campo, os problemas não paravam. O empresário Eduardo Uram entrou na justiça contra o Botafogo - executando Chico Fonseca e Assumpção - por causa de um empréstimo ligado à transferência de Rafael Marques.
2 – A visita da saúde
Motivados pelas promessas de pagamento dos cardeais, o time respirou em agosto e conseguiu vitórias importantes. Na Copa do Brasil, após perder em casa para o Ceará, conseguiu uma virada milagrosa nos minutos finais em Fortaleza (relembre no vídeo abaixo). No Brasileiro, derrotou a Chapecoense e o Santos no Maracanã e se afastou do temido Z-4 no fim do primeiro turno. Fez bons jogos contra Atlético-MG e São Paulo, mas foi prejudicado por expulsões infantis (de Dankler e Airton).
E perdeu para o Inter em Porto Alegre num jogo em que Wallyson desperdiçou dois gols feitos quando a partida estava 0 a 0. A equipe jogava até bem, mas pecava em detalhes. No dia 17 de setembro, vencia e controlava o jogo contra o Bahia quando Ramirez e Sheik foram expulsos no início do segundo tempo. Os baianos, com dois a mais, viraram no finzinho (relembre no vídeo abaixo). O time ainda conseguiu vencer o Goiás no dia 25 por 1 a 0.
3 – Jefferson bate
Quatro dias depois de vencer o Goiás, o Botafogo enfrentou o Grêmio e não jogou bem. Foi dominado e perdeu no Maracanã. A irritação dos jogadores era imensa. A promessa dos cardeais não estava sendo cumprida. Os únicos dirigentes que "apareciam" eram o vice administrativo André Silva e o diretor Wilson Gottardo. No fim da partida, irritado, Jefferson deu entrevista detonando a diretoria.
– Estamos sozinhos. Não tem diretoria, não tem apoio. Estamos só nós, jogadores, a comissão técnica e a torcida.
A declaração era um recado para os "cardeais", mas Maurício Assumpção ficou irritadíssimo. E resolveu voltar a apitar no futebol. Para fazer isso, ele precisaria afastar as lideranças do grupo. Mas o clube jogaria três dias depois contra o Santos pela Copa do Brasil, e ele resolveu esperar.
4 – Edílson, Sheik e o descompromisso
Assumpção ouvia histórias pouco abonadoras sobre Edílson e Sheik. A diretoria acreditava que o lateral-direito estava fingindo continuar lesionado para não jogar. Sheik aparecia mais fora de campo do que dentro. Suas declarações contra a CBF tinham, na avaliação dos cartolas, enfraquecido o clube politicamente.
– Ele quer ser suspenso para ganhar sem trabalhar – comentavam.
Consideravam também que Sheik tinha forçado a expulsão contra o Bahia para não ir de ônibus a Criciúma. E não faltava veneno. Membros da diretoria acreditavam que o jogador só tinha aceitado ir para o Botafogo para reduzir seus gastos com fretamentos de jatinho para ir de São Paulo para Angra.
Após expulsão contra o Bahia, Emerson ataca
a CBF para a câmara de televisão
(Foto: Getty Images)
5 – A demissão desastrada
O Botafogo perdeu para o Santos por 3 a 2 no dia 1º de outubro, uma quarta-feira. Sheik saiu no primeiro tempo após sofrer uma entrada dura (em falta não marcada). O time correu muito e não jogou mal, mas duas falhas individuais de Gabriel e Jefferson determinaram o resultado. Assumpção achou que tinha chegado a hora de agir. Alegando deficiência técnica, demitiu Bolívar, Julio Cesar, Edílson e Emerson Sheik. Marcelo Mattos também seria mandado embora, mas como sua rescisão seria muito cara (acima de R$ 2 milhões), foi poupado. Mancini colocou seu cargo à disposição. O presidente não aceitou.
– Você não tem culpa, e vou contigo até o fim – disse.
Bolívar estava pagando a conta dos problemas anteriores. Gottardo tinha brigado com Edílson por conta da lesão e do tratamento do lateral. Júlio César era considerado "maria-vai-com-as outras". Assumpção acreditava que o clima ficaria mais respirável sem o quarteto - pois a raiva dos jogadores com a diretoria era canalizada por eles.
- O ambiente estava muito pesado. Nem culpo os caras... foram muitas promessas não cumpridas, coisas que não aconteciam, frustração em cima de frustação. E o Bolívar reclamava sempre. Todo dia. Eles saindo... ficou mais leve - disse um membro da diretoria.
Mais leve - mas não necessariamente melhor. A quebra na liderança fraturou um time já moral e financeiramente estraçalhado e lançou jovens como Dankler, Andreazzi, Matheus Menezes e Murilo na fogueira.
Jefferson seria outro candidato a sair. Mas como ídolo e titular de Dunga, seria impossível dispensá-lo. Era importante, porém, aproveitar a viagem do goleiro com a seleção brasileira para a China naquela semana. Isso impediria alguma revolta do elenco com as demissões. De quinta para sexta-feira, quando o Botafogo se preparava para o crucial confronto direto contra o Vitória, em Salvador, Assumpção agiu. Avisou a Mancini e Gottardo, pedindo que os atletas fossem demitidos.
6 – Impacto moral
O modus operandi da demissão deixou o elenco em estado de choque. Um e-mail foi enviado para Emerson Sheik, Bolívar, Julio Cesar e Edílson na madrugada de sexta, dia 3 de outubro. Na manhã seguinte, porém, os quatro foram ao Engenhão treinar. Ao vê-los, Mancini avisou a Wilson Gottardo:
– Eles vieram, Gottardo. Estão aí.
A rouparia não tinha sido avisada das demissões e disponibilizou os uniformes de treino para os atletas. Bolívar, Edílson e Julio Cesar se arrumaram. Gottardo encontrou o trio no departamento médico e disse que eles não deveriam subir para o campo. Os jogadores conversaram entre si e decidiram ir. A preocupação deles era trabalhista: queriam provar que tinham ido treinar para evitar uma eventual "justa causa" do clube.
O gerente achou que eles não subiriam. Quando subiram, o circo se armou. Gottardo quis tirá-los do campo, e houve discussão. Emerson, que chegara atrasado, se juntou ao grupo. Subitamente, uma Kombi entrou em campo para levar embora os demitidos. Os outros jogadores ficaram atônitos. Sem clima algum, Mancini pediu apenas que o grupo corresse com o preparador físico Moraci e fizesse um treino sem responsabilidade.
A decisão, justificada por Assumpção no mesmo dia, em entrevista coletiva, foi um desastre em todas as direções. O elenco, que já era limitado, se enfraqueceu. O time deixou de ter reserva nas duas laterais. Na zaga, teve que apostar em jogadores com pouca ou nenhuma experiência – como Dankler e Matheus Menezes. Pior: financeiramente, a decisão ainda ampliou a dívida do clube, que será obrigado a arcar com as rescisões de Bolívar, Edílson e Júlio César, além de eventuais danos morais.
Ainda pior foi a situação de Emerson. Metade de seus salários de R$ 620 mil era paga pelo Corinthians. A outra metade? Também, mas graças ao que o Botafogo "teria ganho" na negociação de Lodeiro. Ou seja, o clube já havia pago por Sheik até o fim do ano. Poucos dias depois da demissão, Sheik publicou um vídeo irônico no Instagram em que claramente debochava da diretoria (confira abaixo). E no dia 15 de outubro, os quatro concederam uma entrevista coletiva para dar suas versões. Não disseram muita coisa.
7 – Derrotas em sequência
Traumatizado com as demissões, o elenco viajou para Salvador para o confronto direto contra o Vitória. Régis, vindo da Portuguesa, estreou na lateral direita. O Botafogo fez um bom primeiro tempo, desperdiçou chances e perdeu o jogo na segunda etapa em duas falhas de Dankler, o substituto de Bolívar.
– O presidente disse que Bolívar era lento e falhava, mas era ele quem fazia o sistema defensivo funcionar – comentaria Mancini.
– Ele rebaixou o Botafogo com essas demissões – disse depois Montenegro.
– O Maurício fez isso para poder voltar a frequentar o futebol. Com os caras lá, ele não tinha condições de ir – diz um diretor.
Com a saída dos demitidos, Maurício Assumpção voltou a comparecer aos treinos. Mas não aos jogos.
Após demitir Sheik, Bolívar, Edilson e Julio Cesar,
Assumpção voltou a aparecer nos treinos
(Foto: Agência Estado)
8 – Jefferson x Gottardo
Outro desentendimento ocorreu antes da partida de volta contra o Santos pela Copa do Brasil. Jefferson e Gottardo se falaram pelo WhatsApp quando o goleiro estava na China, e o camisa 1 não entendeu que o diretor queria que ele jogasse a partida contra o time paulista em São Paulo. Jefferson jamais disputou partidas quando, na Seleção, viajou no dia de volta. Sempre disse que goleiro "precisa de reflexo" e não se sentia confortável. Ao desembarcar no Rio, foi para o clube treinar e recebeu mensagem de Gottardo dizendo que ele deveria estar em São Paulo. Jefferson disse que não tinha entendido.
Gottardo disse a Mancini que Jefferson tinha faltado. O técnico deu entrevista antes do jogo ao SporTV dizendo que o goleiro deveria estar ali. Logo após o jogo, porém, falou com Jefferson e disse que tinha sido informado erradamente por Gottardo. Irritadíssimo, o dirigente deu entrevista para a Fox Sports dizendo que o capitão da equipe tinha falha de caráter. Jefferson devolveu em coletiva, dizendo que Gottardo tinha sido covarde. O dirigente e ex-zagueiro rebateu: "Não jogar talvez tenha sido um ato de covardia." No dia seguinte, Maurício Assumpção foi ao Engenhão e se reuniu a portas fechadas com os dois.
Enquanto a reunião ocorria, cerca de 20 membros de uma torcida organizada invadiram o estádio e chegaram até o departamento médico, onde dois jogadores faziam tratamento.
– Cadê o Gotttardo? Cadê o Maurício? Viemos pegar eles.
Por sorte, a reunião do presidente com o goleiro e o diretor era numa sala distante. Os torcedores foram conduzidos até a sala de imprensa, onde conversaram com jogadores e membros da comissão técnica. A conversa ficou tensa (assista ao episódio no vídeo acima) e quase houve briga envolvendo um torcedor e Carlos Alberto (confira no vídeo abaixo), mas a situação foi contornada.
9 – Laterais
No fim de 2013, o Botafogo tinha três bons laterais-direitos: Edílson, Lucas e Gilberto. O clube resolveu emprestar Gilberto ao Internacional, fixando o passe em 3 milhões de euros (o Alvinegro tem direito a um percentual disso). Lucas saiu em agosto, amparado pela Justiça. Edílson foi demitido. E o titular da lateral direita virou Régis - que veio no meio do campeonato da Portuguesa e tem contrato até setembro de 2015. O clube até tentou trazer Gilberto de volta, sem sucesso. Na lateral esquerda, Junior Cesar virou titular sem reserva. Mancini teve que escalar o ex-junior Guilherme na Copa do Brasil, contra o Santos. Deu muito errado e improvisou Sidnei contra o Fluminense. No fim do ano acabou jogando com outro ex-junior, Fabiano, também improvisado.
10 – Números
Após as demissões, o Botafogo fez 12 jogos no Brasileirão. Duas vitórias, um empate e nove derrotas. Marcou seis gols e tomou 17. Nos 25 jogos anteriores, o clube havia feito 25 gols e sofrido 31. Ou seja, a média a favor caiu de 1 para 0,5 por partida. E a média de gols sofridos aumentou de 1,2 para 1,4 por jogo. Pela Copa do Brasil, o time fez uma partida após as dispensas: foi goleado pelo Santos por 5 a 0.
– Nosso time e nosso elenco não eram para cair. Caímos fora de campo. Nunca vi no futebol tanta desorganização e tanta falta de comando. E tanta negatividade. Foi o rebaixamento mais justo que já vi - disse um funcionário antigo do clube.
11 – Mancini x Gottardo
O técnico Vagner Mancini esteve perto da demissão durante a reta final da campanha do time. O vice André Silva e Wilson Gottardo julgavam necessário tentar dar um gás novo ao clube. A degola iria acontecer após o jogo contra o Corinthians, em Manaus, mas Mancini foi salvo pela vitória. Só que ficou sabendo e decidiu confrontar Gottardo.
– Eu sei que você pediu a minha saída.
Gottardo desconversou.
– Não foi isso.
Mancini insistiu.
– Pediu e falou no Paulo Autuori para me substituir.
O gerente de futebol explicou que havia sido um mal-entendido.
– Não foi bem isso. Eu só cogitei o Paulo como uma possibilidade caso você saísse.
O clima entre os dois azedou de vez.
12 – Comissão não
Maurício e Landau tentaram obter recursos para pagar salários de toda forma. Uma das últimas cartadas foi tentar renovar com a Viton 44 para 2015. A primeira tacada era propor renovação por três anos a R$ 25 milhões por temporada. Mas uma pendência judicial entre Viton e o Banco Modal, responsável por inúmeras antecipações ao clube, complicou a negociação. Tentando resolver as pendências, Maurício e Landau foram até o Modal. Um dos sócios do banco não perdoou.
– Eu vou antecipar para pagar comissão à sua família?
Em visita a Viton para tentar sanar o problema, diretores ainda ouviram uma descompostura de Neville Proa, dono da empresa:
– Com vocês não quero falar... vocês acabaram com o Botafogo.
Nos bastidores, Neville soltava cobras e lagartos sobre a diretoria. Após o fim do mandato de Assumpção, o dono da Viton disse em entrevista ao jornal O Globo que "infelizmente ocorre de encontrar esses sem-vergonha, esses safados, como tem um monte no Brasil". Assumpção respondeu dizendo ao Extra que Neville tinha tido um lapso de memória e estava recorrendo a calúnias.
13 – Os intermediários mutantes
A busca desesperada por recursos gerou um empréstimo de R$ 3 milhões colhido junto a um trio de empresários paulistas – que o GloboEsporte.com descobriu e provocou uma crise dentro do clube. O clube pagou R$ 300 mil de comissão pelo empréstimo alegando oficialmente que isso foi um pedido do empresário Thiago Ferro. Ferro e seus sócios negaram – e mostraram os contratos que diziam textualmente que a comissão era uma ordem do Botafogo.
Assim que o primeiro intermediário, o advogado César Reis, foi contactado pela reportagem, ele devolveu a comissão, que foi repassada para outro. Isso depois de dizer à reportagem que tinha recebido o dinheiro a pedido de Sidnei Loureiro. Loureiro disse que o intermediário tinha "se confundido". O Botafogo, em resposta ao GloboEsporte.com, disse oficialmente que desconhecia o advogado: "O Botafogo desconhece o Sr. César Reis, cujo nome não consta na versão final do contrato, assinada pelo clube e por todos os envolvidos"
O segundo contrato só ficou pronto nas últimas semanas da gestão Assumpção. Nele está de novo expresso que o pagamento de comissão ao intermediário (agora a advogada Michele Gusman) foi um pedido do Botafogo. O caso está sendo investigado pelo Conselho Fiscal do clube. Para tentar entender o assunto, veja a cronologia no fim desta reportagem.
Contrato aponta pagamento de
comissão para advogado de
ex-gerente de futebol do
Botafogo (Foto: Infoesporte)
Os prestadores de serviços do futebol, com vencimentos atrasados há cinco meses souberam que, além dos R$ 300 mil de comissão, Assumpção tinha pago a Romar R$ 300 mil com os R$ 2,7 milhões que entraram no clube. Gottardo pediu ao presidente que não pagasse rescisões, pois os prestadores de serviço estavam atrasados e, ainda assim, trabalhando.
– Os PJs ficaram indignados porque os R$ 600 mil pagariam, naquele momento, dois meses deles – explicou um dirigente.
Assumpção ignorou e preferiu pagar não apenas a Romar, mas também a rescisão de Sidnei Loureiro e de três outros profissionais. Com a quantia teria sido possível quitar FGTS s salários de Gabriel e Daniel até dezembro, por exemplo. O volante e o meia-atacante entraram na Justiça em dezembro pedindo rescisão unilateral de contrato, amparados pelo atraso de mais de três meses de seus vencimentos e depósitos de FGTS.
14 – "Faltava tudo"
Em campo, as más notícias não paravam. Para destruir de vez o ataque do clube, Mancini perdeu Rogério e Wallyson por lesão na mesma semana, antes do jogo contra o Atlético-PR em casa. Com Zeballos e Ramirez em baixa, Mancini resolveu apostar em Carlos Alberto, Jobson, no jovem Murilo e em Bruno Corrêa. Não funcionou. Nova derrota. O time, depois da perda dos atacantes, só fez um gol – e contra – marcado pelo zagueiro Léo, do Cruzeiro, no Mineirão.
Os jogadores se sentiam abandonados. A falta de recursos era tamanha que, a cada rodada fora de casa, a agência de viagens ameaçava não deixar o clube ir de avião. No vestiário, a reclamação era constante em relação à falta de alguns materiais, como gelo e remédios.
– Isso aqui está pior do que clube pequeno – reclamou um funcionário.
– Ninguém tem noção do que passamos no Botafogo. Eu nunca tinha visto nada parecido. O time até tem uma boa estrutura física, mas parecia que faltava tudo – disse Vagner Mancini.
15 – O rebaixamento
Carlos Alberto e Jobson só chamaram a atenção ao perder oportunidades claras quando os diante de Fluminense, no Maracanã, e Figueirense, em São Januário, ainda estavam empatados – o Botafogo acabou perdendo os dois por 1 a 0. Os resultados deixaram o time em situação crítica. O desespero era tamanho que até o atacante Maikon, contratado por Gottardo, foi chamado para ficar no banco contra a Chapecoense.
Com um ataque formado por Bruno Correa, Jobson e Murilo, o time não se encontrou e foi derrotado após levar um gol novamente pelo setor direito. O elenco esfacelado não tinha mais opções. A moral era nenhuma. As chances matemáticas terminaram em nova derrota, desta vez para o Santos, na Vila Belmiro. Na reta final, o time acumulou seis derrotas seguidas e caiu para a Segundona uma rodada antes do fim do campeonato.
Poucos dias antes, no dia 25 de novembro, Carlos Eduardo Pereira foi eleito presidente. Durante a eleição um adesivo foi distribuído chamando Assumpção de "pior presidente da história".
Gabriel (sem camisa) chora após a derrota que
selou a queda à Série B (Foto: Michel
Filho / Agência o Globo)
16 – Melancólico adeus
Entre julho e agosto, o diretor executivo do clube, Sérgio Landau, e o diretor comercial, Airton Mandarino, se tornaram demissionários. Alegaram que, como não recebiam vencimentos por falta de recursos, se afastaram voluntariamente. Mas continuaram indo ao clube e operando em busca de contratos. Landau trabalhava para assinar o contrato de cogestão proposto pela Odebrecht para o Engenhão e também um contrato do cartão de consumo do estádio.
Adesivo distribuído nas eleições do Botafogo
apontam Assumpção como o pior presidente
da história (Foto: Fred Gomes)
Em setembro e outubro, os departamentos financeiro e jurídico conseguiram com gestões junto a Globo Esportes e aos irmãos Moreira Salles pagar três parcelas do REFIS: mais de R$ 10 milhões. Os Moreira Salles avisaram que não iriam pagar a quarta e a quinta parcelas, que venceriam em novembro e dezembro. A participação de Assumpção e Landau nessas negociações foi muito pequena.
O presidente terminou seu mandato de forma quase clandestina. Nos últimos meses se dedicou muito às divisões de base, sempre em contato com o gerente Ney Souto. Tanto que não compareceu a nenhum jogo do profissional na reta final do rebaixamento. Mas, no sábado, véspera do jogo decisivo contra o Santos, foi ver a final da Taça Otavio Pinto Guimarães de juniores em Nova Iguaçu (o Botafogo perdeu para o Flamengo por 3 a 1). E, para terminar, não compareceu no clube no dia da eleição, nem mesmo passou o cargo para seu sucessor, Carlos Eduardo Pereira. Depois de se despedir de jogadores e funcionários, Maurício Assumpção foi embora com poucas palavras.
Assumpção deixa o Engenhão após se despedir
de jogadores e funcionários (Foto: GloboEsporte.com)
17 - O tamanho do buraco
Em seis anos de mandato, Maurício Assumpção pagou cerca de R$ 134 milhões em dívidas de presidentes anteriores. Foi o presidente alvinegro que mais pagou dívidas em termos absolutos. Apesar disso, segundo uma estimativa do departamento financeiro, deixou o clube produzindo ainda mais débitos. Essa estimativa prevê que a dívida produzida entre 2009 e 2014 possa alcaçar até R$ 200 milhões, sendo que mais de metade disso será débito fiscal. Ou seja, de impostos e encargos não recolhidos.
O departamento financeiro fez um estudo que mostra que Maurício produziu mais dívida fiscal do que os antecessores. Segundo esse estudo, o buraco do Botafogo com a Receita hoje é de R$ 434 milhões, dividido assim por presidentes (de forma aproximada):
1. Maurício Assumpção (2009-2014) – R$ 117 milhões
2. Bebeto de Freitas (2003-2008) – R$ 66 milhões
3. Mauro Ney Palmeiro (2000-2002) – R$ 61 milhões
4. José Luís Rolim (1997-1999) – R$ 92 milhões
5. Carlos Augusto Montenegro (1994-1996) – R$ 66 milhões
6. Gestões anteriores – R$ 32 milhões
Mas a dívida fiscal é só parte do problema. Ainda não é possível precisar o tamanho dos buracos trabalhista e financeiro. A estimativa do financeiro é que seja grande, aproximando-se dos R$ 100 milhões por conta de empréstimos e rescisões.
– Tem um monte de empréstimo vencendo este ano e no ano que vem. Algo em torno de R$ 100 milhões. Como esse empréstimo inacreditável do fim de mandato que vence em fevereiro e dá o patrocínio de camisa e os recebíveis do Dória como garantia. Sendo que o clube já vendeu tudo o que tinha do Dória e ainda tem que pagar a comissão dos intermediários - que são os mesmos caras que emprestaram essa grana. No lado trabalhista, são seis meses de salário em atraso. Vários profissionais mandados embora que não receberam rescisão. Só naqueles três jogadores demitidos o clube vai perder alto. O Bolívar tinha renovado por R$ 360 mil até dezembro de 2015 e vai buscar isso tudo na Justiça – diz um analista que teve acesso aos números do clube.
Há empréstimos com a Odebrecht, comissões a pagar, o caso da dívida do caso Elkeson e muito mais. Um membro da nova diretoria resumiu a ópera.
– Ainda não sabemos onde está o fundo do poço.
18 – Um ano em perspectiva
Em 11 de fevereiro de 2014, o Botafogo derrotou o San Lorenzo por 2 a 0, estreando bem na fase de grupos da Libertadores diante de 32 mil alvinegros no Maracanã. Neste sábado, dia 20, o time argentino vai disputar a final do Mundial de Clubes contra o Real Madrid no Marrocos.
O Botafogo está rebaixado para a Série B, e os únicos jogadores que atuaram diante do mosaico "O Gigante voltou" e ainda permanecem no clube são o goleiro Jefferson e o volante Marcelo Mattos.
FONTE:
http://glo.bo/13E4t1U
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