Em carona ao GloboEsporte.com, atacante celebra os 22 gols em 2014, passa a limpo momentos ruins e revela acordo com Bolívia para ter sequência: "Bati de frente"
Belo Horizonte, território boliviano. E não ouse dizer que não a Marcelo Moreno. Pouco importa a geografia. A capital mineira é uma extensão de Santa Cruz de la Sierra para o cruzeirense. A orla da Pampulha, o pão de queijo e o azul celeste são capazes de de fazer o atacante se transformar. O arco imaginário que puxa a cada gol marcado é uma homenagem ao ídolo Batistuta, mas poderia ser o de um cupido que mirou o goleador do Cruzeiro na temporada e decretou: não importa o que aconteceu no Rio ou em Porto Alegre, em BH tudo será diferente.
Os gols parecem sair por conta da alegria que o boliviano encontra em território mineiro. Foi assim quando chegou em 2007, cheio de dúvidas a respeito do início da carreira. Foi assim no retorno sete anos depois.
- Quando eu precisei, no pior momento da minha carreira, o campeão brasileiro quis que eu viesse.
As dificuldades do início da carreira não existem mais. Pelo menos, fora de campo. O adeus precoce mesmo com a artilharia da Libertadores de 2008 se deu pelo afã de conquistar logo a independência financeira. Agora, não há nada que desvie o foco da possibilidade de fazer história. À vontade na cidade que escolheu para morar, Moreno recebeu o GloboEsporte.com para uma carona. Assunto não faltou, e ele não se esquivou de nada. Como quem conhece BH como a palma da mão, abriu a porta do carro na saída de seu prédio, no bairro de Lourdes, e falou sobre o trajeto de 17km até a Toca II.
- Daqui para lá são 30 minutos. Dá para conversarmos tranquilo.
Então, o leitor pode entrar e conferir o passeio -
que começa com uma passagem diária em frente a sede do rival Galo - no
carro do atacante que
nasceu na Bolívia, passou por Alemanha, Ucrânia e Inglaterra, buscou
abrigo em
Salvador, no Rio e em Porto Alegre, mas nunca foi tão feliz como em BH.
Depois de
um fim de temporada com poucas oportunidades no Flamengo, você chegou em um
time acertado, campeão brasileiro, em que você já tinha uma história e conquistou
o seu espaço. Foi meio que uma volta por cima? O que o Cruzeiro tem de
diferente?
Marcelo Moreno totalmente à vontade no trânsito de Belo Horizonte (Foto: Carlos Mota)
Desde que
cheguei, falei que estava vindo para um time que já estava bem montado,
campeão, e que seria uma peça para acrescentar. Eu me encaixei muito bem, mas não
foi fácil. Conversei com a torcida para que tivesse paciência para adquirir
minha melhor forma física o mais rápido possível. Sabia que ia ter cobrança.
Aos poucos, fui conseguindo, e o torcedor me passou essa confiança. Senti isso
dentro do campo e ajuda muito para um momento bom.
O retorno a
BH, uma cidade onde você já tinha morado, já conhece tudo, se sente em casa,
também contribuiu para esse sucesso?
Com
certeza. O bom filho sempre volta à sua casa. Aqui em Belo Horizonte, no
Cruzeiro, eu me sinto bem, me sinto em casa. Já conhecia a cidade, tinha
muitos
amigos, não precisei me adaptar novamente. Isso fez com que as coisas
fluíssem
como eu queria, para que eu mostrasse meu futebol. As pessoas me tratam
superbem. Isso faz com que a gente posso ter um trabalho bem feito em
campo. Sou
muito agradecido a Belo Horizonte por tudo que vivi aqui nas duas
passagens.
Já é tanto
sua casa quanto Santa Cruz (de La Sierra)?
(Risos)
Eu me sinto brasileiro. Metade brasileiro, metade boliviano. Mineiro, com
certeza. Tenho a seleção boliviana, que vou para lá. Por isso, falo que é
metade e metade.
Quais são
seus lugares preferidos em BH? Onde você curte ir para ficar à vontade, lugares
aconchegantes?
Não temos
muito tempo para sair e desfrutar de algumas coisas da cidade. O calendário
brasileiro não permite isso. Mas, no tempo livre que tenho para sair com a
família, aproveito para passear nos parques da orla da Pampulha, no cinema.
Coisas de curto tempo. Aproveito para ir aos restaurantes. Na região onde moro,
há muitos que são bons. Curto com a família.
No Rio, não
deu tempo de criar esse tipo de relação? Ficar tão à vontade...
No Rio, quando eu estava gostando da cidade, perdendo a vergonha de sair e tal, tive que vir embora. O pessoal do Flamengo não acreditou no meu trabalho a longo prazo. Agora, quando você está bem, todo mundo te quer, né? Quando precisei, no pior momento da minha carreira, o campeão brasileiro quis que eu viesse. O jogador leva isso muito em consideração, e me ajudou muito para fazer o trabalho bem feito.
Você
retornou agora já com uma história no Cruzeiro, reconhecido, e está vivendo um
ano marcante. Mas, quando olha para trás, na sua primeira passagem, do que lembra?
Cheguei
desconhecido no Cruzeiro. O pessoal apostou em mim. Saí do Vitória e não
conhecia nada, precisei de um tempo para me adaptar, me ajudaram muito,
mas
tudo foi muito rápido. O sucesso no Cruzeiro foi rápido. Fui artilheiro
da
Libertadores, artilheiro do time na temporada e em seis meses já estava
sendo
vendido para fora do país. Era muito novo, tinha18 anos quando cheguei e
19 quando saí. Foi uma experiência muito boa, mas não foi fácil. Hoje,
sinto que tudo pode
acontecer. Ainda não ganhamos nada. Temos que correr atrás desses
títulos que
vão deixar cada um na história do clube. Sou torcedor também do Cruzeiro
e me
sinto na obrigação de dar esse título para a torcida, para minha
família, amigos
que também me cobram bastante. Temos que fazer acontecer em campo.
Hoje, você
mora no bairro de Lourdes, uma região importante. E lá atrás, tinha esse
conforto?
Não. Todo
jogador passou por necessidade quando estava começando. Passei por necessidade
no Vitória, não tinha dinheiro nem para escova de dente, pasta, xampu, coisas
do dia a dia. Tinha a saudade, estava longe da família. Cheguei com 15 anos no
Brasil, novo ainda. Não sabia nada da vida. Essas coisas a gente lembra hoje
para trabalhar o dobro e sempre fazer as coisas bem.
Em 2008,
você foi o artilheiro da Libertadores, mas foi vendido no meio da temporada e
deixou um time que seria vice da mesma competição no ano seguinte e foi
campeão brasileiro no ano passado. Esse retorno também foi uma forma de deixar uma marca mais
forte no clube?
Com
certeza. Na época, a situação era diferente financeiramente. A oportunidade era
muito boa para mim, para o Cruzeiro, e essa foi a prioridade naquele momento.
Tínhamos que decidir, e não me arrependo. Graças a isso, consegui ajudar os
meus familiares, alguns amigos, me ajudar. Isso deu força para poder
voltar e pensar diferente. Vou conseguir terminar esse campeonato e, se Deus
quiser, fazendo história.
Marcelo Moreno voltou ao Cruzeiro após
temporada apagada e foi recebido como
ídolo pela torcida (Foto: Rafael Araújo)
Quando
voltou ao Brasil, teve uma temporada muito boa no Grêmio, mas depois
perdeu espaço. O que pode dizer que aconteceu ali? Já conseguiu entender
de alguma maneira?
No
Grêmio, até hoje simplesmente não sei o que aconteceu. Era artilheiro do time,
me dava bem com todo mundo, nunca faltei a treino, sempre fui profissional. As
coisas que aconteceram lá foram difíceis de entender. Entendo que foi uma opção
do Vanderlei Luxemburgo. Ele decidiu me afastar, decidiu que outros atacantes
estavam melhores no momento e optou junto com a diretoria. Foi isso que
aconteceu. Falou-se de muitas coisas, que não vêm ao caso ficar lembrando.
Fiquei muito chateado com tudo, muito triste. Todo dia que saía do Olímpico,
chegava em casa e pensava o que estava fazendo de errado para ser punido
daquele jeito. São coisas que nos ensinam a amadurecer bastante. Mas tive
problemas psicológicos, me afetou demais. Fiquei dois meses sem treinar,
afastado, e surgiu a oportunidade do Flamengo, um time com uma história linda e
uma tradição incrível.
No
Flamengo, o Hernane não deu muitas brechas e teve um ano incrível.
Nos sete
meses em que fiquei no Flamengo, estava tentando ganhar minha forma física o mais
rápido possível. Com uma semana, já queria me adaptar, tinha pressa para voltar
a jogar, pegar a forma física, e isso fez com que não pudesse mostrar meu
futebol. Tive três convocações para a seleção, e meu companheiro de posição soube
aproveitar a oportunidade. A cada jogo ia fazendo gols e ajudou muito. Com ele,
conseguimos conquistar a Copa do Brasil. Eu não tinha espaço para mostrar meu
trabalho. Foi um time que respeitei desde o início e tenho um carinho grande
pelo Flamengo e pelos amigos que tenho lá.
Ficou algum
tipo de mágoa?
Não tenho mágoa, não. Tenho muito carinho pelo torcedor, que é quem faz a alegria no futebol. Torcida do Flamengo, do Grêmio... Todos sempre tiveram respeito comigo, independentemente do que aconteceu dentro do clube. Se for feita uma pesquisa, acredito que querem que eu volte. São coisas que acontecem, decisões que não são do torcedor. Estou tranquilo com o meu presente, que é o que importa.
No momento
difícil, seu pai foi um cara que sempre te defendeu bastante, até publicamente.
Como ele tem vivido esse seu sucesso no Cruzeiro?
Meu pai
está feliz demais. É o torcedor número um, vai querer sempre o melhor para
mim e torce muito independentemente do time em que eu estiver. Vai me apoiar, como
sempre foi. Sou muito agradecido porque foi por ele que decidi jogar futebol.
Esse
retorno também ficou marcado pela marca do "Flecheiro". É uma
comemoração que estava guardada, voltou a ficar em evidência aqui e pegou...
Quando
você faz por merecer, faz as coisas dentro de campo, os gols vão surgindo, tudo
melhora. Seu nome sempre fica na mídia. Isso é muito bom. As pessoas sempre me
cobram essa comemoração nas ruas, virou uma marca que o pessoal está explorando
bem, está conseguindo vender bem. Então, vamos continuar fazendo gols, fazendo
história.
Qual a
origem?
Comemoração do "Flecheiro" virou marca do sucesso em 2014 (Foto: Reprodução / Premiere)
Já tinha
um tempo que eu vinha pensando. Antes mesmo de chegar ao Cruzeiro, eu gostava
muito do Batistuta, da Argentina. Ele fazia o gol e comemorava desse jeito. Eu
era novo ainda, tinha uns 17 anos e tentei fazer algo similar. Pegou aqui no
Cruzeiro, o pessoal gostou, me chama de Flecheiro
Azul, e sou muito agradecido.
As
convocações que impediram uma sequência maior no Flamengo aconteceram menos
no Cruzeiro. Foi uma decisão pessoal, algo que você conversou e pediu para
recuperar sua melhor forma?
Eu tinha
que tomar uma atitude. Eu ia para a seleção, jogava e tinha meu espaço lá
garantido, mas outro pegava meu espaço no Cruzeiro, como aconteceu no
Flamengo. Eu sei que bati de frente com o pessoal na Bolívia para poder ficar
e jogar e sei que foi importante. Nas mesmas datas das convocações, consegui
ajudar o Cruzeiro com gols e não me arrependo. O pessoal da Bolívia me entendeu
e me deixou para fazer meu trabalho. É um ritmo que me deixa melhor para chegar
bem fisicamente até na Bolívia. Fui nessa última por ser o último jogo do ano e
todos nós achamos necessário que eu estivesse presente.
Em 2003,
você ainda morava na Bolívia. O que lembra do time comandado por Alex
que conquistou a Tríplice Coroa? Pesquisou sobre a história para
conhecer um pouco mais?
Foi uma
coisa que marcou. Cheguei ao Brasil com 15 anos, quase 16, e esses caras eram
monstros do futebol brasileiro, o Alex, o pessoal que fez aquilo tudo pelo
Cruzeiro. Acho que todo mundo quer isso, né? Fazer história, ser lembrado para
sempre. Sabemos que isso está perto de acontecer.
Você pode ser bicampeão da Copa do Brasil. Como buscar forças para superar
a vantagem do Atlético-MG?
Nessa
final, precisamos que o torcedor esteja conosco. Vai ser muito importante a
presença com o grupo. O torcedor empurrando, jogando junto, as coisas vão
acontecer em campo. Quero falar para que acreditem que é possível essa vitória
contra o Atlético-MG.
Marcelo Moreno deu carona ao GloboEsporte.com
de sua casa até ao treino, na Toca da Raposa
(Foto: Carlos Mota)
FONTE:
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