Ex-zagueiro tinha 21 anos quando foi alvo de agressão na grande área, ficou em coma por 19 dias e se viu forçado a largar o futebol; mesmo assim, perdoa agressor
- Júnior, você já tomou o remédio das 14h?
A resposta positiva tranquiliza o pai, preocupado como se fosse há 15 anos, quando um soco no rosto mudou a vida de Régis, então com 21 anos e um futuro promissor como zagueiro do Caxias, após passagem pela base do Inter. Porque, há 15 anos, Régis e toda a sua família encaram uma cruzada pela vida. O futebol é página virada, fruto de sequelas do golpe aplicado pelo zagueiro Darzone, que o deixou com traumatismo craniano e em coma por 19 dias (assista ao lance da época e a depoimento atual do ex-atleta no vídeo).
Os efeitos, como a pergunta do pai - que também se chama Régis - mostra, são perenes. Até os positivos. O drama de Régis não passou em branco após um Gre-Nal sub-14 em 20 de dezembro, em que houve briga generalizada e agressão a um dos garotos. Alguns dias depois, o telefone tocou em sua casa em Gravataí, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Do outro lado da linha, irrompia um convite do Inter. Para Régis contar sobre a agressão que mudou a sua vida. Revisitar o passado, por mais doloroso que possa soar, jamais assustou o ex-zagueiro, hoje com 36 anos e que trabalha numa academia da cidade.
- Para mim, vai ser bom. Porque muita gente esqueceu, e isso não pode mais acontecer. Uma agressão pode ferir, pode machucar, pode matar - define.
Dias antes de conceder a palestra na tarde de terça-feira, Régis recebeu a reportagem do GloboEsporte.com em sua casa, ao lado da esposa Cintia, do pai e do irmão Rafael, ex-goleiro. Um time de peso, que até hoje é peça fundamental para Régis levar uma vida quase normal. O ex-zagueiro faz praticamente tudo. A única frustração foi ter deixado o futebol profissional.
Régis ainda tem sequelas e precisa se medicar
três vezes ao dia (Foto: Lucas Rizzatti/
GloboEsporte.com)
médico dizia: "não tinha volta"
O episódio marcou o esporte gaúcho e brasileiro, mas Régis apagou completamente de sua memória, enquanto o agressor chegou a ser condenado a dois anos de prisão em regime aberto. Não se lembra sequer de ter viajado para a partida. Foi um dos poucos jogos do filho que o pai Régis não estava acompanhado. O telefonema da notícia doeu na alma. Até hoje, quando o telefone toca, ele suspira, tenso. Os 19 dias seguintes foram de torcida contra o improvável. O médico preparava a família para o pior.
- Ele nos falava que não tinha volta. Eu era quem tinha coragem de falar com o médico. Já a minha esposa tinha coragem de ficar ao lado do Júnior no leito. Eu só entrei uma vez. Foram os piores dez segundos da minha vida - conta o pai, revivendo intensamente a cena.
- Minha mãe passou três meses dormindo agarrada ao Régis para que ele não arrancasse os tubos do pescoço (devido a uma traqueostomia) - relata o irmão Rafael.
Régis retornou ao lar em coma induzido e mergulhado numa comoção geral. Houve dias em que sua casa era cercada por centenas de curiosos. A família tratava de protegê-lo. Inclusive do trauma. Assim que ele recobrou a consciência, a versão contada era de que havia se acidentado de carro. Um de seus primos tomou a frente e, de surpresa, mostrou a gravação que tinha da agressão. Alegou que não era justo Régis ficar alheio à verdade.
- Na hora em que eu comecei a ver, pensei que seria um acidente de jogo. Mas ele me deu uma porrada! Sacanagem desse cara, pensei na hora - lembra.
pai nunca viu agressão
O trauma também é físico. Régis peregrinou por vários fisioterapeutas e fonoaudiólogos para aprender a recomeçar. Foram três meses para voltar a falar e a andar. A primeira palavra que conseguiu falar foi o seu próprio nome, num gesto tão prosaico quanto heroico, que fez seu pai explodir em felicidade. As primeiras palavras escritas também tocaram fundo: "pai, eu te amo", dizia o bilhete em caligrafia ainda vacilante.
- Ele fez fono, fisioterapia, ecoterapia, hidroterapia, natação e balé. Mas balé foi pouco tempo - relembra o pai, aos risos, para depois sentenciar, sério: - O Régis teve de reaprender a viver.
Régis, entre o pai e o irmão, dois protagonistas
em sua recuperação (Foto: Lucas Rizzatti/
GloboEsporte.com)
A alegria da recuperação só não foi maior porque Régis jamais conseguiu voltar a jogar futebol. Chegou a perder quase 30 kg após o acidente e até hoje, quando se esforça muito fisicamente, num jogo entre amigos, por exemplo, sente dores musculares. A perda de parte da visão periférica e dos reflexos também impede a prática profissional.
Três anos depois da agressão, Régis deparou com mais uma sequela tardia. Assustou a todos ao despencar, sem motivo aparente, em sua casa. Uma consulta médica diagnosticou epilepsia. Por isso, precisa tomar três remédios por dia, aqueles que o pai não cansa de se lembrar. Há um ano, Régis não sofre ataques epiléticos. Mais uma vitória.
mestre tite mantém contato
O Tite nunca mais falou o nome do Darzone
Pai de Régis
- O Tite nunca mais pronunciou o nome do Darzone - confidencia.
Em 2007, Darzone foi condenado a dois anos de prisão e cumpriu um terço em regime aberto e o restante em condicional. Em 2012, a Justiça deu ganho de causa a Régis e obrigou Santo Ângelo a indenizá-lo, o que ainda não ocorreu. As medidas judiciais, no entanto, pouco interessam ao ex-zagueiro e sua família.
- Creio que não ficou nem barato. Ficou sem valor nenhum. Se acontece isso nos Estados Unidos? Esse Darzone não ia jogar mais - cogita Régis.
- Acho que o caso do Júnior é único do mundo. Não poder exercer sua função pela agressão de um colega... O Darzone precisava ter sido tratado - completa o pai.
Régis em seus tempos de Caxias, em 1999, e na
formatura, em 2012 (Foto: Lucas Rizzatti/
GloboEsporte.com)
encontros e perdão a darzone
Houve três encontros de Darzone com Régis e sua família. O primeiro, mais tenso, com o irmão Rafael, então goleiro da Ulbra, contra o Brasil de Pelotas, clube do desafeto. Aturdido ao ver o responsável pela agressão ao irmão, Rafael tentou invadir o vestiário do adversário para agredi-lo.
- O Régis me ligou e disse que não era para eu fazer mais isso, senão me igualaria a ele.
Régis revê cena da agressão enquanto prepara
material para palestra a jovens
(Foto: Lucas Rizzatti/GloboEsporte.com)
A primeira vez em que Régis e Darzone se falaram foi em 2003, devido a um improvável reencontro. Rafael era goleiro do São Gabriel, que viria a contratar Darzone. A situação revoltou Rafael, que, no fim, chegou a conversar com o colega de clube em um dos tantos treinos que realizavam juntos. No entanto, evitou ao máximo um convívio mais próximo. Ele lembra que Darzone havia tentado uma reaproximação.
- Depois de quebrar o gelo e falar comigo, ele queria interagir, sentar do meu lado no ônibus, mas eu não conseguia - admite, recordando os cinco meses de difícil convivência.
- O dia do reencontro foi o mais marcante da minha vida, em 2003. Fomos onde o Rafa estava jogando, no São Gabriel. Eu vi ele parado, uns 10 metros adiante. Um amigo meu me levou até ele, e conversamos. Me perguntou se podia falar com o Régis. Ele devia ter nos procurado antes. Se ele sonhasse que ia causar o dano que causou, com certeza ele jamais faria isso. Mas esse é o problema da agressão - lamenta o pai de Régis.
Aos 36 anos, Régis esbanja serenidade. Fala com extrema naturalidade do soco de que não se lembra, mas que mudara sua vida. E perdoa Darzone.
- Tenho que perdoar. Hoje, sinto pena dele. Depois de falar com ele, vi que quem está ferrado era ele. Eu tenho o carinho de todo o mundo.
Depois, ainda houve um novo contato em 2007, em mais um encontro em Bagé, num dos tantos gramados gaúchos como o de Santo Ângelo, que, em 19 de dezembro de 1999, mudou a história de Régis, de Darzone e, quem sabe, pode vir a transformar a vida dos pequenos garotos do sub-14 de Grêmio e Inter. Receberam, na última terça, um exemplo para sempre.
Régis se reuniu com as crianças de Grêmio e
Inter na terça-feira (Foto: Eduardo Deconto
/GloboEsporte.com)
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FONTE:
http://glo.bo/1BLdm4t
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