Maicon
desfere chute na direção do rosto de
um oponente: brasileiro já
trabalhou como
garçom antes de lutar (Foto: Marcelo Barone)
A
dificuldade financeira é a tônica de muitos atletas em início de
carreira no Brasil. Na vida de Maicon Andrade, integrante da seleção
brasileira de taekwondo na categoria +87kg e em busca da vaga olímpica,
os obstáculos eram os mesmos enfrentados por outros esportistas, exceto
por um detalhe: dona Vitória, a matriarca, precisava sustentar nove
filhos. Ele e mais oito.
Caçula da família, Maicon, aos 18 anos,
trabalhava como assistente de pedreiro de segunda à sexta-feira, em
Justinópolis, distrito de Ribeirão das Neves, em Minas Gerais, onde
nasceu. No sábado, fazia "bico" como garçom e, naturalmente, sobrava
apenas um dia da semana para se dedicar à sua paixão, o taekwondo.
-
A rotina era intensa. Carregava saco de cimento, virava massa, levava
tijolo, descarregava caminhão, brita... Era um trabalho pesado, chegava
em casa exausto. Mas era o único jeito de permanecer lutando, por isso,
não podia largar o serviço. Eu levava um dinheiro para casa e outra
parte comprava o que precisava do taekwondo. Era pouco, mas dava para
pagar uma inscrição no campeonato, ajudou muito - declarou o atleta, de
22 anos.
+ Confira como está a corrida olímpica do taekwondo para 2016
Lutador posa com a mãe, Vitória, que foi diagnosticada com câncer (Foto: Arquivo Pessoa)
Trabalhar
e treinar consumiam toda a rotina, forçando Maicon a abrir mão dos
estudos. O talento do jovem - apesar da pouca constância de treinos -
despertou a atenção de um treinador que, ao vê-lo competir, o convidou
para integrar a academia 2 Brothers, em São Caetano do Sul, São Paulo.
Havia chegado a hora de dar um passo maior - Justinópolis havia ficado
pequena para a promessa brasileira.
- Mudar de cidade foi
complicado. A minha mãe me apoiou, assim como os meus irmãos. Larguei o
conforto de casa, o carinho da família, para buscar meu sonho em um
lugar onde não conhecia ninguém. Os três primeiros meses foram os mais
difíceis da minha vida, era período de adaptação. A saudade apertava,
doía muito, só conversava com a minha mãe pelo telefone. Em nenhum
momento pensei em desistir. Se eu deixei o conforto de casa para ir
atrás do meu sonho, eu nunca vou desistir.
Vou até o fim. O Reinaldo e o
Clayton, técnicos da equipe, me falaram que seria difícil, mas que
daria certo. Eu acreditei e, no sétimo mês, estava na seletiva para a
seleção.
Dificuldades financeiras, cotidiano desgastante,
mudanças de cidade e distância da família. Maicon Andrade precisou de
muito suporte e equilíbrio emocional para não perder o foco. Foi
superando os percalços até que, no início deste ano, um adversário forte
e silencioso atacou sua mãe. Dona Vitória foi diagnosticada com câncer
de mama.
- Foi o momento mais difícil da minha vida. Eu estava em
competições muito importantes, tive que fazer um trabalho forte de
psicologia. Foi a única coisa que mexeu muito comigo e, mesmo assim,
mantive o foco e não desisti, provando que tudo que aconteceu com ela
serviu de inspiração. O que faço é por ela, luto por ela.
Maicon ficou em terceiro lugar na
Universíade (Foto: Arquivo Pessoal)
Maicon
afirma que a mãe passou pelos devidos tratamentos e está curada. Ele
celebra a chance de poder realizar um dos sonhos dela, que, aos 65 anos,
nunca viajou para o exterior.
- Paguei todos os remédios, tudo o
que ela precisava. Ela é a minha força, minha inspiração. Todas as
minhas lutas são por ela. Antes de lutar, sempre mando mensagem, ligo
para ela. É amor mesmo. Meu sonho é dar uma viagem para ela poder
viajar, ficar meses fazendo o que ela quiser, conhecer o mundo inteiro,
levá-la para fora do país. Ela nunca foi ao exterior e sempre sonhou em
ir para Dubai. Se Deus quiser, vou dar esse presente a ela. E não vai
demorar muito - destacou o lutador,
medalha de bronze na Universíade deste ano.
Único
integrante da família a seguir o esporte como profissão, Maicon se
tornou o "herói" dos oito irmãos - sete homens e uma mulher. O mineiro
disputou competições mundo afora, mas ainda tem suas raízes na cidade
onde nasceu.
- Meus irmãos moram todos em Justinópolis, só um que
vive no Rio. Eles ficam mais nervosos do que eu quando tem competição. A
relação com todos é a melhor possível, eles têm muito orgulho de mim. O
meu irmão Marcelo falou para mim várias vezes: "Cara, tenho orgulho de
ser seu irmão. Tive filhos, precisei fazer um caminho diferente, mas
fico feliz por você seguir essa carreira no esporte".
Mineiro vem desbravando o mundo através das competições de taekwondo (Foto: Arquivo Pessoal)
Depois
de ingressar na seleção brasileira menos de um ano após se mudar para a
2 Brothers, Maicon Andrade tem chances de disputar os Jogos Olímpicos
do Rio de Janeiro, em 2016. Ele disputa a vaga com outros quatro
taekwondistas na primeira seletiva olímpica fechada, neste fim de
semana, em Santos, São Paulo: Guilherme Félix, André Bilia, John Lee e
Icaro Soares. O faixa-preta, que via filmes de artes marciais na
televisão, poderá ser um dos protagonistas do maior evento poliesportivo
do mundo, ainda por cima com o apoio dos torcedores brasileiros.
-
Estar na seleção era meu sonho, e venho sendo titular por dois anos
consecutivos. Ao entrar, você vira o alvo. Muitos acabam se acomodando. E
quando isso acontece, alguém vai querer tomar o seu lugar. Tem que
estar evoluindo, competindo, tem que buscar uma coisa maior. Você
precisa saber onde quer chegar. Espero representar o país nas Olimpíadas
e realizar meu sonho de ser campeão olímpico.
Maicon precisa
terminar a primeira seletiva olímpica fechada entre os três melhores da
categoria +80kg para, aí sim, se classificar para a segunda e decisiva
seletiva fechada, que acontece no dia 14 de fevereiro, no Rio de
Janeiro. Apenas o campeão de cada peso (-57kg feminino; -58kg e +80kg
masculino) garante a vaga de titular. A categoria -49kg feminino já tem
representante e a seletiva decidirá a reserva. A titular será Iris Sing,
que se classificou de forma direta por terminar entre as seis melhores
do mundo no ranking da Federação Internacional.
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/taekwondo/noticia/2016/01/ex-pedreiro-e-heroi-de-oito-irmaos-maicon-andrade-sonha-com-rio-2016.html