sexta-feira, 24 de setembro de 2010

UM JOGADOR INESQUECÍVEL CHAMADO HELENO DE FREITAS


HISTÓRIAS DO FUTEBOL BRASILEIRO

Heleno de Freitas...... eu e a torcida botafoguense jamais esqueceremos.
Tive a satisfação e a alegria de na década de 1940 vê-lo jogar. Era exímio cabeceador com uma elegância incomparavel.
Genioso ao extremo, nunca foi campeão pelo Botafogo.
Eis aquí uma historia contada pelo grande botafoguense Roberto Porto:

No rastro dos misteriosos caminhos de Heleno

23/06/2007
ARQUIVO
MEMÓRIA DO ESPORTE
ROBERTO PORTO

Ninguém pode negar, botafoguense, cruzmaltino, rubro-negro, ou tricolor que ainda paira uma aura de mistério em torno de Heleno de Freitas (1920­1959). O craque-galã foi peça de teatro-musical, dos autores Miguel Paiva e Zé Rodrix (Heleno, um Homem Chamado Gilda), e hoje há um grupo de cineastas trabalhando no roteiro de um filme. Só que estes últimos pretendem enfocar o craque sobre o prisma das drogas, quando a elas ele só recorreu já afastado do futebol. Heleno, na verdade, foi sempre um homem que sofreu de esquizofrenia, não tratada, e agravada, em sua maturidade, por contrair sífilis. Por isso morreu de PGP - paralisia geral progressiva, em Minas.

Por onde Heleno andou entre sua melancólica única exibição no Maracanã, com a bela camisa do América, até sua morte? Muitos torcedores da velha guarda, do tempo da Copa do Mundo de 1950, acham que elejá deixou o Maracanã engaiolado, diretamente para o hospício. Isso não aconteceu. Daquela partida de 1951 pelo menos até 1953, levou uma vida aparentemente tranqüila, ao lado do irmão Heraldo e da irmã Marina. Uma prova disso, é o depoimento do jornalista-escritor João Máximo, que o surpreendeu, lendo calmamente uma revista, no consultório dentário do irmão, Oscar de Freitas, em Copacabana, em julho de 1953.


Por que então tanto mistério no rastro de Heleno de Freitas? Este repórter acredita que Heleno, como Garrincha, Ademir, Danilo, Barbosa, Domingos da Guia, Fausto dos Santos e tantos outros simplesmente chegaram à imortalidade do futebol brasileiro. Daí porque a preocupação em descobrir o caminho do craque-galã a partir do momento em que ele penetra no obscuro e tortuoso caminho do esquecimento, longe da bola, da torcida, das entrevistas e dos casos amorosos. Talvez por isso, no caso específico de Heleno de Freitas, a versão seja mais importante e romanceada do que o fato. E certamente por isso, o imaginário tenha superado a simples, passageira e comezinha realidade da vida.


De repente, ele reaparece no Maracanã em 52.

Nos últimos tempos, muitos jornalistas-detetives andaram rastreando os últimos passos do hoje lendário Heleno de Freitas no futebol. No livro recentemente lançado, Maracanã - Meio Século de Paixão, o jornalista João Máximo abordou com detalhes a única e última partida que Heleno jogou no Colosso do Derby, em 1951, vestindo a camisa do América. Mas terá o craque-galã entrado nas dependências do Maracanã apenas naquele dia fatídico, quando, no vestiário, agrediu um fotógrafo com uma garrafa? Dali ele teria ido direto fazer tratamento numa clínica psiquiátrica? Quando, afinal de contas, foi trancafiado na Casa de Saúde São Sebastião em Barbacena, de onde só saiu morto?


De repente, remexendo aqui e ali, com a curiosidade de quem também gosta de desvendar mistérios, este repórter descobriu uma fotografia inédita deste que é um dos mais trágicos personagens do futebol brasileiro: irrepreensivelmente trajado, de paletó e gravata, cabelo penteado com fixador (como nos velhos tempos) e aparentando forma física invejável, eis que Heleno é flagrado no vestiário do Botafogo, a 8 de março de 1952, pouco depois de completar 32 anos. Brincalhão como sempre, desde que fora das quatro linhas, ele, ao lado de Geninho, afaga a cabeça de Otávio, pouco antes de o time alvinegro entrar em campo para perder de 2 a 1 para o Vasco da Gama, pelo Torneio Rio-São Paulo.

Naquela longínqua tarde de sábado, já afastado do futebol, Heleno foi ao Maracanã torcer pelo seu Botafogo, pelo qual nunca foi campeão, justamente contra o Vasco, clube que lhe deu em 1949 o único título carioca. Para aqueles que duvidam, mas freqüentam arquivos, o Botafogo jogou com Osvaldo Baliza, Arati, Thomé e Nílton Santos; Carlito Roberto e Ruarinho; Paraguaio, Geninho, Pirillo (Dino da Costa), Otávio e Bragui­ nha (Jaime). Até os últimos minutos, Gérson estava escalado, o mesmo acontecendo com Juvenal e Vinícius, que não chegaram a entrar em campo. Dino e Vinícius, ainda jovens, foram vendidos para o futebol italiano três anos depois.

No consultório do irmão, lendo uma revista.

Outro detalhe mais do que curioso e esclarecedor a respeito do destino de Heleno de Freitas surgiu, após uma conversa que este repórter teve com o já citado jornalista João Máximo, na noite do dia 4 de setembro de 2000. Em julho de 1953, mais de um ano, portanto, da visita de Heleno ao vestiário do Botafogo, no Maracanã, João, em companhia de um amigo, veio ao Rio, aproveitando uns dias de férias no colégio onde estudavam em Nova Friburgo. O amigo, o hoje médico Eugênio Miller, tinha hora marcada com um dentista. Sabem os leitores quem era o dentista? Nada menos do que Oscar de Freitas, irmão de Heleno. E quem estava calmamente na sala de espera? Heleno de Freitas.


João Máximo, tricolor, eternamente apaixonado por futebol, sabia muito bem quem era Heleno de Freitas, naquela época com 33 anos. Sabia, também, que ele era um jogador descontrolado, que o Botafogo não o suportara mais e que o vendera ao Boca Juniors por Cr$ 600 mil, seis vezes o preço de um luxuoso carro americano importado. Mas me contou que jamais lhe passou pela cabeça que o antigo craque alvinegro era portador de esquizofrenia. No máximo podia ser qualificado de um jogador temperamental. Por isso, não lhe deu tanta atenção, ainda mais porque Heleno, tranqüilo, lia uma revista, esperando a sua vez de ser atendido pelo irmão Oscar no consultório em Copacabana.

Até este ponto, portanto, julho de 1953, os passos de Heleno são perfeitamente conhecidos: vendido pelo Botafogo ao Boca Juniors, da Argentina, no início de 1948; contratado para ser campeão pelo Vasco, em 1949; fuga para o chamado Eldorado colombiano, em 1950; retorno ao Rio de Janeiro em 1951 para jogar uma única e escassa partida pelo América; visita de torcedor ao vestiário do Botafogo em 1952 e, por fim, tratando dos dentes com o irmão em julho de 1953. Fica faltando preencher uma lacuna, durante esse período, quando Nilton Santos e o ponteiro Braguinha, concentrados no Hotel Plaza, em Copacabana, foram abordados por Heleno que lhes pediu Cr$ 20, pois estava sem um único e pobre centavo.

Na porta do hotel, um pedido de dinheiro para cheirar éter.

Na manhã de 6 de junho de 2000, viajei com Nilton Santos para São Paulo, onde aquele que ficou conhecido como Enciclopédia do Futebol daria uma entrevista para o programa Bola da Vez da ESPN Brasil. De minha parte, sempre soube que Nilton jamais gostou de Heleno. Mas por isso mesmo tento descobrir as razões da inimizade. Pelo que sei, Nilton chegou ao Botafogo no início de 1948, às vésperas de completar 23 anos em maio. Em General Severiano, Heleno de Freitas, com 28 anos, e Nilton Santos se defrontaram em alguns treinos coletivos. Juntos, mesmo, jogaram uma única e solitária vez, a 29 de maio, contra o Atlético Paranaense, na inauguração dos refletores de General Severiano.

Por que então o clima hostil, se em junho Heleno partiu com armas e bagagens para sua aventura em Buenos Aires? Nilton, com aquela sinceridade que sempre o caracterizou, repete a história: num treino, ele, ainda novato, fingiu que iria atrasar uma bola para o goleiro Ari e, no lance que caracterizaria seu estilo por longos anos, acabou aplicando um tremendo drible de corpo em Heleno. Treinando ainda entre os titulares, embora estivesse em litígio com o clube, Heleno partiu irado para cima do novo zagueiro. Os dois trocaram palavras ásperas e por pouco não se atracaram. A partir daí, Nilton Santos jamais voltou a falar com Heleno de Freitas e considera Sílvio Pirillo o maior centroavante do Botafogo.

Mas o que importa é que Nilton Santos e Braguinha estavam na porta do hotel, talvez em 1953, e Heleno apareceu desgrenhado pedindo dinheiro. Nílton virou as costas mas Braguinha estendeu ao ex-companheiro uma cédula de Cr$ 20, daquelas do marechal Floriano Peixoto. Heleno afastou-se e Nílton disse a Braguinha que Heleno iria comprar éter para cheirar. Braguinha deu de ombros.

Em 56, Geninho comanda visita à Casa de Saúde.

É aí que entra em cena outro dos mais famosos rastreadores, o jornalista Roberto Assaf, rubro-negro, ex-Jornal do Brasil e autor de vários livros sobre o futebol brasileiro. A data de internação de Heleno de Freitas na Casa de Saúde São Sebastião, em Barbacena, foi levantada por ele, assim como outra importantíssima: a da visita de todos os integrantes da delegação do Botafogo ao velho ídolo alvinegro. Corria o ano de 1956 e o clube da estrela solitária esteve em Barbacena para um amistoso com o Olimpique local. Após o jogo, que o Botafogo venceu com facilidade, o então treinador Geninho (Efigênio de Freitas Bahiense), ex-integrante do quadro de Pracinhas da FEB que lutou na Itália, comandou o grupo.

Na tarde de 14 de outubro de 1956, meio constrangidos, os jogadores do Botafogo tiveram permissão para entrar na Casa de Saúde. Faltando quatro meses para completar 37 anos, Heleno era um arremedo daquele homem bonito e elegante que fazia furor entre as jovens de Copacabana e as que freqüentavam os pequenos estádios da era anterior ao Maracanã. Gordo, deformado pelo tratamento contra a sífilis, com poucos dentes na boca, cabelo ralo e desgrenhado, sua figura era chocante. Geninho, que com ele jogou por quase 10 anos, ficou impressionado. Os mais jovens, nada entenderam. Quem seria aquele senhor, meio pancada, que falava em pegar seu Chevrolet e desembarcar na porta de General Severiano?

Mas Heleno de Freitas, o craque-galã, que disputou 233 jogos com a camisa do Botafogo e marcou 207 gols pelo clube, jamais retomaria o volante de seu Chevrolet e nunca mais desembarcaria às portas de General Severiano. Na manhã de 8 de novembro de 1959, aos 39 anos, foi encontrado morto em seu quarto pelo enfermeiro Marques. De minha parte, só posso dizer que, ainda menino, o vi jogar somente duas vezes, em vitórias sobre o América (3 a 2), em General Severiano, e Fluminense (2 a 1), em Álvaro Chaves. E em 1959, quando ele morreu, nem mesmo sonhava em ser jornalista. Mas sempre o guardei em meu imaginário, não tão bem como outros, verdadeiros rastreadores.